Os olhos dela podem vislumbrar o punhal de prata caído não muito longe dela, seu corpo se movia sentindo a dor do golpe que ela levara, pois não apenas o rosto doía assim como o corpo que encontrara um tronco durante o vôo quando fora arremessada longe com o golpe desferido. O desespero começa a tomar conta quando ela escuta aquele rosnar gutural e seus dedos deixam de alcançar o Punhal, porque aquele ser pisava em cima dele agora. Os olhos claros dela erguem-se vendo então seu algoz ali tão próximo dela, mas nem mesmo um grito conseguiu escapar, diante do momento que significava que ele haveria de cumprir aquilo que ele prometeu desde seu primeiro uivar. Desde a primeira noite na Floresta Negra. Ela pode sentir o envolver de seu pescoço com uma única mão cheia de garras, pode sentir seu corpo erguendo-se apenas com a força que ele possuía. Pode sentir o corpo gritar por conta de mais uma pancada contra o tronco da árvore.

– Esta noite acaba aqui, Chapeuzinho!
Os olhos claros dela se abriam, o ar não conseguia chegar aos seus pulmões para que sua voz saísse mais uma vez. O fim estava próximo. Ela sabia disso, ele sabia disso, mas alguém não sabia. Ambos, algoz e vítima, escutam o som alto de galhos se partindo e folhagens a reclamar com a entrada de mais uma peça naquele jogo doentio.

– LARGUE-A SUA CRIATURA MALDITA!
Um rosnar mais alto e o girar do corpo, e ele ainda a mantinha presa ali, apenas para encerrar uma maldição que o perseguia.

– NÃO SE META EM ASSUNTOS QUE NÃO LHE SÃO ALHEIOS, ALADO!
Ela podia ver ali, mesmo que seus sentidos teimassem abandoná-la, o que parecia ser um anjo. Estaria morta? Não.. ela tinha certeza que não estava morta, pois já tinha visto aquele rosto.

– “Não… saia daqui… o lobo está certo…”
Mas nada passava de pensamentos, que se perdiam com a breve escuridão que desceu sobre seus olhos. Rosnares, ganidos, gritos, risos. Ela desperta depois de um tempo, vendo seu algoz lutando com seu suposto herói, mas ela não podia esperar para ver o fim da luta, pois sabia que sempre apareceria alguém e que este alguém sempre morreria ao tentar ajudá-la. Os olhos buscam o punhal, uma breve tosse denuncia ao lobo que ela ainda vivia, mas o Anjo impedia que ele se aproximasse. Ela escaparia mais uma vez… E ele sofreria mais um dia o tormento que ele vivia. Dia após dia… Noite após noite… Ele uiva em meio à luta. Ela se afastava o mais rápido que conseguia… Mas nem tudo terminaria naquela noite, não para ela… Enquanto ela escapava, ela escuta mais rosnares… Impedindo que ela avançasse um passo mais que ela ousasse dar…

– lobos…
Murmurava com o coração acelerado, enquanto a luta seguia de modo feroz e os lobos iam avançando levando-a de volta para perto de seu algoz. Mas algo assustou aquelas criaturas e a sua respiração arfada começa a se condensar em pleno ar.

– Frio?
Ela ergue o olhar, vendo que algumas folhas começam a cair mortas ao chão. Seu corpo começava a apresentar uma dor insuportável com os músculos que se enrijeciam. O ar parecia entrar de modo cortante em seus pulmões, deixando que todo o calor escapasse em cada respirar arfado. As árvores naquela região estavam nuas em suas copas, diante de tamanho frio. Os olhos dela buscam o motivo, e ali… Não muito distante… O contrário acontecia na luta onde o Lobo tinha que enfrentar uma onda de calor tão intensa quanto fogueiras acesas para comemorar o Beltane. O frio amortecia a vontade de viver que ela possuía, fazendo o punhal cair e em seguida o seu corpo. Seus lábios deixavam um único nome escapar.

– Piotr!