O vento frio tenta intimidar os prados verdejantes, mas em meio ao calor de batalhas acirradas, posso vislumbrar dois corpos ofegantes. Suas armas parecem firmes em suas mãos e o sangue, ora úmido e quente, ora coagulado e frio, desenha em vossos corpos escritos antigos. Seria possível ver asas crescerem nas costas daqueles dois que possuem tantos títulos, mas tais adornos belos e imponentes só podem ser vislumbrados pelos demais ao sentirem as mãos gélidas e mortais do abismo que margeia este reino do qual faço parte. Rei e Rainha erguem suas armas e seus olhares frios dão sua sentença, ouso agora abrir minhas páginas e àqueles que tiverem coragem, lanço o desafio de mergulharem em minhas linhas.
Seus olhos observavam aquele corpo, olhos, lábios. Escutava os discursos que encantavam, enlaçavam, prendiam. Sua presença era majestosa, algo quase sobrenatural, mas sua alma parecia aprisionada a alguém. Não precisavam me dizer sobre o amor que possuíam um pelo outro, pois tal sentimento tornava-se quase palpável a olhos vistos. Seu corpo estremecia ao que seus olhos se cruzavam com os dele, ao escutar aquelas palavras gentis que direcionavam seus sentimentos e pensamentos, mas ao fim o sabor amargo tomava conta de seu palato, quando ela a via frágil aos braços dele. Não aceitava, não conseguia aceitar o fato de um homem que seria capaz de conquistar o mundo, estar aliado, apaixonado, ser devoto a alguém tão frágil, tão próxima à morte.
– “Nada que você faça, irá separá-los”. – Disseram-lhe uma vez.
Então se aproximou, fez-se frágil, uma donzela que precisava de tanto carinho quanto a preferida possuía. Palavras. Aquelas palavras que eram capazes de elevar uma alma aos céus se aproximavam, sorria, acolhia. Mas, não da forma como queria. Não da forma como aquela mulher possuía.
Sua mente ficava cada vez mais aturdida. Suas mãos tremiam com uma navalha reluzente. Cortava-se, feria-se cada vez mais, mas bastava um bater descompassado do coração dela que ele caía de joelhos em preocupações por aquela assombração.
– “Nada que você faça, irá separá-los”. – Disseram-lhe mais uma vez.
Não aceitava, não queria aceitar. Movia mundos, se declarava, mostrava uma amor tão grande ou maior, mas em meio às palavras gentis dele, ainda era possível sentir aquele amor único e devoto a ela.
Quebrou coisas, rasgou cortinas, quase chegou a incendiar a própria casa, mas o reluzir daquela navalha tornava sua alma cada vez mais obscurecida. Suas declarações estavam tão claras, porque ele não a via?
– “Nada que você faça, irá separá-los”. – Sua mente lhe repetia. Uma, duas, três vezes…
O baque metálico da navalha ao chão e gritos de desespero tomava conta de sua casa e então foi quando ela sentiu a mão repousar-lhe sobre o ombro. Uma mão fria, ausente de calor humano. Aqueles olhos que ela jamais havia visto de perto a encaravam em um brilho tão sombrio. Era o próprio diabo que a encarava. Um diabo em forma de mulher. Uma mulher com a aparência frágil, mas que agora a fazia compreender que mesmo em tamanha aparência de fragilidade, aquela mulher era muito mais forte do que ela.
– “Sei o quanto ele pode ser encantador. O quanto ele pode ser gentil. Sei o quanto ele pode ser amigo e maravilhoso. Muitas pessoas percebem tarde demais, aquilo que deveriam ter percebido há mais tempo”…
Seu coração disparava, sua respiração faltava-lhe ar. Ele não estava com aquela mulher pelo simples fato dela parecer frágil, de alguém que precisava de cuidados intensos. Ela. Aquela a quem ela desprezava por possuir um amor que desejava possuir, era na verdade parte dele, era ele, assim como ele era ela. Os dois eram um e agora ela compreendia e recolhia os cacos de seu coração alquebrado.
– “Nada que eu faça, irá separá-los”.