Meus passos quase não tocavam o chão.
Rodeava aquele Rei, sussurrando-lhe palavras enquanto ele andava sonâmbulo na Torre da Esperança. Rosnando em sua fúria, arrastava sua espada que trazia aquele som metálico que assombraria a alma dos que se aventuraram dentro de seu Palácio.
Sentia-me bem em minhas palavras sussurradas e por um breve momento me descuidei…
Não! Não penses que me descuidei com o meu eterno zelar ao Rei ou aos outros.
Descuidei com minha própria guarda e o golpe veio certeiro.
Iniciava-se à altura das costelas, rasgando fundo em direção ao abdômen.
Meu corpo caiu ao chão, trêmulo enquanto minha respiração estava curta ou quase nula de tão dolorido que foi aquele golpe.
A dor se espalhou do abdômen para o ventre e começou a subir em direção aos pulmões.
Meus braços em um abraço apertado tentavam em vão diminuir aquela terrível sensação.
Cada vez mais difícil de sentir o ar entrando em meu corpo, lágrimas começaram a rolar em minha face.
Minhas asas tremiam…
– Dói… – Sussurrei quase sem forças em meu pranto de dor, buscando o olhar do Rei sonâmbulo que parara seus passos e que aos poucos voltava aquele olhar tão carregado de fúria e ao mesmo tempo tão distante.
Ele se abaixou por um breve momento. Naquele respirar profundo, rosnou-me algo aos meus ouvidos e se retirou.
Pude escutar seus passos pesados se afastando.
A dor continuava lacerante e tosses faziam meu corpo encolher cada vez mais.
Nada…
Eu não conseguia expelir de meu corpo o veneno que entrara em mim naquele golpe que não previ, vindo de outro lugar.
Ao longe o som de uma batalha feroz.
Urros, rosnares, o som da espada ecoando por aquele lugar mergulhado em sombras.
Tentei erguer meu corpo, mesmo ele tremendo em tamanha dor e as tosses que reviravam meu âmago trouxeram à boca o veneno que me intoxicava.
Um líquido, a princípio translúcido, saia cada vez mais de dentro de meu corpo, ganhando novos tons.
Em meus olhos vacilantes eu percebi algo e tombei ao chão.
Arfante…
Cansado…
Exausto…
O que se seguiu foi confuso…
Ao abrir meus olhos, deparei-me com o Rei novamente.
Arfante…
Cansado…
Exausto, tal qual estive quando tombei ao chão…
Ele se mantinha de pé e eu aos poucos me ergui…
Um breve rosnar…
Um olhar que ardia em chamas…
E ainda cansado reverenciei o Rei e voltei ao pináculo…
Os confins do mundo mantêm-se enegrecidos e respirando fundo sei que por pior que sejam certos ferimentos…
Eles jamais arrancarão o que mantenho protegido dentro de minha própria alma.