O sopro infernal adentrava a floresta de espinhos e fiquei em silêncio a esperar uma reação que fosse de minha Rainha. Andava silenciosa a escutar os ventos e a sentir em própria pele os prantos noturnos. Meu falecido irmão, que tivera suas páginas lacradas, servia de lembrança à maculada alma de minha Soberana e por vezes, foi-me possível sentir os suspirares e até mesmo a dor ao coração dos sonhos despedaçados que um dia ali reinaram aos contos delicados e iluminados. Mas, silencio agora meus pesares e deixo que as páginas tomem vida ao toque delicado de minha Rainha.

Ossos rangiam em seus avançares e olhos espreitavam as sombras que cravavam as garras no verde imaturo que buscava avançar. O hálito infernal trazia seus rugidos e eu sorria levemente a espreitar. Reinos cresciam e reinos morriam; almas que antes eram bravias, agora eram cantigas de ninar. Ria incrédula, não mais em desespero; tudo se tornava patético em meu mais novo reino. Sentimentos são contos de fadas, quebradiços com um simples soprar e quem sabe o que são lágrimas se não conseguem provar.

Sopros fortes tentam amenizar, buscam ferocidade, sadismo, buscam garras e ganham apenas um sorriso. Chega a mim uma águia marcada, ferida, tomba a silvar de modo fraco.

Silva curto, com certa paixão. Silva cantos de alívio e comoção. Busca aqui em reino sombrio o bater de um coração.

— A Rainha não morrerá, mas não mais há um coração para se entregar. — Murmuro tocando as penas que se tornam água, dos escuros olhos sombrios e graves. — Quanto tempo mais, irás espreitar-me?

Suspirei, arrancando a dor e o silvar ali contidos, gravando-os em brasa às páginas de meu livro.

“Ouço-te num sonho em que pestanejava
Eu dormia, porém meu coração bradava
Suave é a voz do seu lamento
E cruel as lágrimas de seu tormento

Uma vez com seu pranto sonhei calado
Noutro ensejo senti-me culpado
Na terceira vez acordei perturbado
E pronunciei seu nome, já apagado

Gritei para o céu, os pássaros calaram
Ouviram de Arcadia o que de mim duvidaram
Tenho a coragem para as trevas enfrentar
Tal qual nem asas negras ousam atestar

Em ti, rainha, confiaram honra generosa
Marche avante e brade numa voz estrondosa
Té que o reino tema sua maldição impiedosa
E espinhos firam no peito a cria maldosa

A águia encontrou para si um ninho
E o cavalo um riacho no caminho
A flecha atirada não vacilará
Nem o desejo do teu coração desviará

De nada sei e nem como alcançá-lo
Mas te digo: já montei o meu cavalo
Não invoque o mal que encontraremos
Ele sucumbirá, pois nunca desistiremos”

Distante meu olhar agora permanecia e acariciava as páginas de meu livro.
— A dor, é o divino sabor desejado pelos cavaleiros, Seanchaí. Teremos visitas em breve!

Falou laconicamente minha Rainha e eu temia, ainda, pelo sopro do vento ao leste da floresta de espinhos.

 

[Meus sinceros agradecimentos pelo belo poema enviado a este reino.]