– Não!!! Por favor, não!!!
Ian corria pela floresta atrás de seus filhos, tendo sua mente assombrada pelas visões do passado, seu coração galopava trazendo uma dor aguda em seu peito pelo remorso de seus atos. Ela havia o amaldiçoado, ela levaria seus filhos. O brilho que era capaz de manter ele ainda de pé e o segurando a beira do precipício obscuro e frio.
Ryan corria também, não podia ser possível em sua mente que Fionna tivesse se afastado tanto assim, mas o medo de perder sua irmã era maior que o medo de percorrer aquelas trilhas mais uma vez ou de encontrar uma alcatéia.
– Fioona!!! Fioooonaaa!!!
Corria com lágrimas nos olhos pensando no corpo diminuto da irmã nas presas de vários lobos famintos. Lembrava-se da cena em que ele lutava segurando um galho, girando-o em um arco para afastar os lobos famintos enquanto gritava para Fionna subir nos galhos de uma árvore. Podia se lembrar daqueles olhos amarelados, daquele cheiro de morte vindo dos hálitos quentes que abocanhavam o ar tão próximos a ele, enquanto o ar se preenchia com ganidos vindos daqueles corpos que eram atingidos pelo galho que ele girava. Ryan sentia medo. Mais medo que raiva naquele exato momento. Não conseguia afastar a sua mente daqueles pensamentos terríveis que assolavam seu coração.
– Eles não compreendem, fazem tudo errado. Como é que eles querem ver a senhora sorrindo novamente?
Resmungava a pequena enquanto molhava com as diminutas mãos o barro que ela pegou ao leito do rio. Moldava devagar aquele barro, sujando seu vestido e suas mãos.
– Está ficando bonito?
Erguia seus olhos diminutos, naquela frase que parecia esperar uma aprovação. Sorria contente moldando o pequeno pote cantarolando uma canção.
“Venha a mim, doce criança.
Venha escutar minha voz.
Mostre a mim, doce criança.
O que tem em suas mãos.
Não temas jamais.
A escuridão.
Acredite em mim.
Dê-me o coração.
Com suas mãos, molde criança.
Enquanto esta canção,
Conforta a sua alma.
Entregando em minhas mãos…”
Fionna cantava a canção completamente alheia daquilo que a cercava. Aquela música saía de seus lábios parecendo ser acompanhada do lamuriar do vento que soprava o barro que era moldado. Sentia-se segura, mesmo que a canção soasse tão estranha para outros ouvidos que escutavam aquela mesma canção.
A alma de Ryan temia. Temia por aquilo que sua irmã cantava, ela parecia tão distante de tudo que acontecia, parecia se sentir tão segura ali observando um pequeno pote de barro que continha o seu nome. Seu corpo estremecia. Estremecia quando ela se erguia e abria o pequeno pote. Não sabia porque não interferia. Não sabia porque seu coração parecia tão acelerado com o soprar do vento que parecia tão cálido. Sentia-se seguro, mas ao mesmo tempo sentia medo daquela segurança que invadia sua alma. Via a irmã enfiando a mão no pequeno bolso. Via quando ela abria a palma da mão mostrando os dentes que ela guardou desde a morte da senhora O’Reilly.
– Vê? Eu guardei todos eles!
A pequena falava sorridente, olhando para cima enquanto mantinha o pequeno pote aberto. Ryan queria se mover. Algo gritava em sua alma. Dilacerava a sua alma. Temia por todos os contos que já ouviu sobre a Floresta Negra. Mas não conseguia gritar. Não conseguia se mover. Via a pequena irmã sorrindo e se sentindo tão segura. Via fechando a mão envolta dos dentes e começando a deixar cair um por um dentro do pote vazio.
– Eu sabia que você gostaria!
Os olhos de Ryan se arregalavam. Seu coração batia de forma acelerada que doía-lhe o peito. A respiração começava a ficar arfada e tudo parecia começar a ficar sombrio demais naquela cena que seus olhos pareciam não querer desvencilhar.
– RYAAN!!! FIOONNAA!!!
Ian corria, seus olhos o confundiam, seu medo o confundia. Não era tão difícil chegar na casa da senhora das moedas de ouro, mas a floresta parecia conspirar contra ele. A trilha que havia na floresta parecia ter desaparecido completamente. Seus olhos buscavam. Seu corpo girava as vezes durante sua corrida. Seu peito doía como se garras tentassem arrancar seu coração. Seus filhos corriam perigo, ele sabia que perderia seus filhos para a senhora das moedas de ouro.
– Olha Ryan!!! A senhora O’Reilly me ensinou como fazê-los!!!
O corpo de Ryan tremia, via diante de seus olhos o pote de barro de Fionna e ela parecia tão contente com o pote que tinha feito. Parecia tão segura ao dizer que a senhora O’Reilly tinha ensinado a fazer o pote em que ela guardava os dentes.
– Venha!!! Nós ajudaremos você!!!
Fionna dava a mão para o irmão e Ryan sentia sua alma confortada. Erguia seu corpo aos poucos enquanto caminhava à beira do rio.
Ian sentia os galhos rasgarem seu corpo em sua corrida desenfreada. O ar parecia faltar-lhe nos pulmões, enquanto seu corpo parecia arder em febre diante do medo de perder seus filhos. As cenas daquele corpo nú seguro de modo firme, gritando por piedade enquanto a água quente era derramada sobre a pele clara assombrava-lhe os pensamentos. Os gritos da senhora que dizia não saber o que tinha acontecido com as crianças enquanto pedaços de sua pele escaldada eram arrancados pelas raízes e arbustos que tinham no caminho à vila, pareciam vívidos em seus ouvidos. Os gritos das crianças implorando para eles pararem com o que faziam enquanto o fogo consumia o corpo da senhora, dilacerava sua alma. Mas o lamuriar do vento naquele negra floresta era o que trazia a dor ao seu peito. Era o que parecia enfiar garras em seu corpo para arrancar-lhe o coração enquanto as cenas de seu desespero no abraçar de um corpo que desmanchava-se diante de tamanha dor, amaldiçoava a sua vida, os seus sonhos, os seus filhos.
“Venha a mim, doce criança.
Venha escutar minha voz.
Mostre a mim, doce criança.
O que tem em suas mãos.
Não temas jamais.
A escuridão.
Acredite em mim.
Dê-me o coração.
Com suas mãos, molde criança.
Enquanto esta canção.
Conforta a sua alma.
Entregando em minhas mãos…”
A voz de Ian saía sem forças.
– Não!!! Por favor, não!!!