Pude perceber certo franzir do cenho de minha Rainha, quando o Corvo lhe disse que o Falcão ainda não retornara. Seus olhos por um tempo se desviaram ao limiar de todos os tempos e reinos que um dia ela habitara e seu corpo ergueu-se do trono como um breve suspirar. Tornava-se etérea trespassando os tempos, retornando ao corpóreo em um pestanejar. Tremi ao ver os sombrios pesares, quando o falcão com ela retornara. Desolada ave que ali se encontrava, calando a agourenta ave que nos acompanhava, mas suspiros mais fortes foram ouvidos, pois agora, era o cavaleiro que nos chamava.

Ele suspirava, com seus receios e pensamentos. Parecia absorto de tudo aquilo que eu perguntara. Deleitava-me com o sabor da esperança abatida em minhas presas, quando ouvi os murmúrios do Abismo. Ah, sim ele brincava de forma traiçoeira, mas não tão fatídico quanto uma vez que ele brincara. A Rainha mostrou-me quem realmente havia sido abatido e redobrei a atenção ao cavaleiro. Tinha ele dito que ainda era cedo para se perder, e encontrava-se sereno a me observar? Sorvi o sangue que ainda me restava e divertido respondi àquele que me acompanhava.

— Vejo que ainda não te entregaste ao Abismo, não totalmente, devo confessar. Mas já percebeste o tempo que aqui ficaste e quão fraco se encontra teu cavalo. Sim, o Abismo consome a tudo, menos àqueles que aqui habitam. Talvez compreendas melhor que este não é teu caminho, pois tua alma é iluminada.

Segui meus passos com cautela, Kairos já havia enganado tempo demais os sentidos do Cavaleiro, e Khronos se apressava em acelerar o tempo para deleitar o Abismo. Ele me pedia para acelerar meus passos, como se a me ordenar, então ri um bocado e parei um tempo a observar.

— Já te disse que os gatos não são submissos, assim como Khronos também não se submete completamente aos caprichos do Abismo, mas me pergunto às vezes se não seria o Abismo uma parte de Khronos e Kairos, já que ambos têm seus lados um tanto quanto sádicos. Continuemos a caminhar e não te preocupes Cavaleiro, pois gostarás deste labirinto. Ele é tão cruel quanto o Palácio que tanto desejavas adentrar.

Ainda sentia o gosto da esperança, que o próprio cavaleiro negara quando eu a ofertara e de encruzilhadas em encruzilhadas o Cavaleiro avançara, mas o mesmo destino não foi dado ao pobre cavalo, que fora engolido nas sombras do Abismo quando o rapaz menos esperava.

— Era uma vez uma jovem barda, que um belo dia se apaixonara. Guardiã do tempo e das histórias contadas; perdeu a voz do vento quando se apaixonara. Elfa era em sua alma dourada, encantava a todos que em sua vida entrara…

Parei meus passos mais uma vez e sorri sem olhar para trás.
— Eis tua saída tão desejada.

Uma história começada, a Rainha sorriu acariciando o Falcão ferido em seu colo e o Corvo observava os portões de Arcádia. O Gato levara o Cavaleiro para uma das saídas do Abismo, mas agora o peregrino se encontrava só.

— Oras, oras, oras. Vejam como traiçoeiro é este Gato. Começara uma história e não a terminara, dando ao Cavaleiro, outra encruzilhada. A frente há o alívio e a esperança renovada. Não mais encontrará a escuridão do Abismo em seu peito ferido. Atrás se encontram os olhos traiçoeiros e as palavras sussurradas. Uma história inacabada.

— O Abismo possui seus feitiços, meu amado Corvo, assim como a Floresta de Espinhos. Cada lugar de Arcádia fascina, mas o fascínio se resume a prazer e dor. Os corações dos mais fracos ficam ali perdidos e dos mais fortes… – murmurou a Rainha.

— Se dão por vencidos, pois sempre deixamos algo em troca… – suspirou o falcão – Os elfos negros partiram…