Escolhas eram feitas por andarilhos e arcanjos que penetravam cada vez mais fundo ao Abismo de Arcádia. O Gato sabia do destino que ele tivera e aceitara seu fardo, mas se divertia ao trazer-lhe companhia na obscuridade do passado. A Rainha sabia que o Gato lhe fazia companhia, mas diferente do curioso felino, a Rainha ao Abismo pertencia. Mesmo que historiadores digam que o submundo está ligado ao reino dos humanos e as almas que lá caem não conseguem escapar, sabemos que os demônios podem vir passear nas terras habitadas pelos Adonianos. Sorrio ao lembrar a confusão causada entre adonianos e arcadianos, mas talvez esta história deva ser contada no mais tardar. Observemos o que as Moiras têm a nos falar.

O Andarilho realmente achava que eu iria o acompanhar, mas nas terras das Moiras estou proibido de pisar. Isso se deve pelo fato de minha intrusão quando estas desejaram trazer ao mundo a ultima perdição. O tormento mais poderoso foi trancafiado longe do alcance dos tolos e retornará à caixa tão cobiçada quando Pandora mais uma vez descansar. Ah! Como sinto falta de Pandora a acariciar os meus pelos, foram momentos poderosos que estive com ela em meu peito. Mas estou a devanear e lá está o Andarilho a pensar. Ele remete seus pensamentos ao que perdera em suas andanças e não possui idéia da força que lhe dá a esperança. Sorrio e mais uma vez o desafio, observando que ele não está só em sua caminhada. Sim, junto a ele, no obscuro caminho, há um Arcanjo que o acompanha.

Arcanjo este malicioso, tão sombrio quanto minha Rainha. O Ceifador de destinos sabe que há muitos outros caminhos. Mas ficarei a observar…. Mesmo não trilhando os mesmos caminhos.

— Os resultados das escolhas nos acompanham desde os primórdios e o fim… O resultado de tudo isso, varia com cada um que faz sua escolha. Para seu cavalo, ele preferiu a morte, pois não agüentava mais quem estava o atormentar. Para outros andarilhos o resultado foi o esquecimento, pois não conseguiram mais me acompanhar. Cada lugar de Arcádia possui um pensamento. Sejam eles nobres, ou pestilentos… Sombrios ou inocentes… Nada consegue escapar. Quem sabe a sua liberdade que estava lá, fosse uma armadilha para abocanhá-lo? O Destino tem seus caminhos. Vá e busque as Moiras… Pois ainda tens muito a perder, ficando neste lugar.

Uma fina chuva nos agradou, salgada em suas gotas, prantos ela anunciou. A inconformação nos lamuriares, mostravam desgosto e rebeldia, mais uma alma se aproximava da eternidade de seu tormento. Risos nervosos se espalhavam, gritos cortavam corações. Olhei para cima por um tempo e ronronei ao tolo.

— Vá! Busque a angústia que sentes nessa chuva, ela o levará às Moiras.

Parti sem nem mesmo olhar para trás, sabia que o Arcanjo estava mais bem encaminhado. Corri em caminho contrário, na urgência de meu fardo. Saltei obstáculos e rasguei demônios, quase voei em minha pressa e à entrada do Abismo, pude ver aquelas lágrimas, aquela face pálida, saltando ao colo de quem me aguardava.

— Nada pude fazer… Nada pude fazer… Sinto-me vazia em meu peito por tão rápida ter me conformado. Dois se perderam, sendo que um deles se perdera antes de sua partida. Ah! Meu amado Gato, a predestinação é o pior de meus pecados…

Havia um pesar naquelas palavras e todos nós sentíamos o peso carregado na alma de quem ali pranteava. Um pranto silencioso que não possuía mais lágrimas, um respirar pesaroso de quem não mais agüentava. Víamos ali, o Gato a consolar e nossos olhares se ausentaram naquele momento de dor do nobre cavaleiro. Quinze anos completos dos quarenta e cinco incompletos.

— Ele há de descansar em paz…