O tempo corria rápido em minhas páginas, talvez por urgência do que a minha Rainha estava a buscar, seu gesto brusco e inesperado pegara a todos de surpresa, até este livro que a tudo registra e relata. Arcádia estremece perante tal ato e vários seres desaparecem. O Vazio reina por um tempo com os anseios da opressão para ser pincelado aos poucos com as tintas inexploradas de uma história inacabada.

— Seanchaí, o que acontece? — o Gato clamou-me por uma explicação.

— Ela não tinha motivos para isso! — O Falcão silva decepcionado com o que ocorrera.

Porém, o Corvo se mantinha em silêncio espreitando o tempo e a solidão que o desatinam em um gargalhar intenso e repentino.

— Não perceberam? Nossa Rainha está a pensar… O Gato conhece grande parte dos reinos de Arcádia. Conheceu a Pandora e sabe os pecados que ela cometeu ao manipular as linhas do Destino sem pensar nas consequências de seus atos.

O Corvo rodeava seus colegas e relembrava de um “Nunca Mais” recitado em tempos abissais.

— Nunca mais! Nunca Mais! NUNCA MAIS! — O Corvo ria ao recitar tais palavras.

— Creio que nosso amigo Corvo tenha enlouquecido mediante ao vazio — ronrona o Gato para mim.

— Creio que deva acrescentar a Rainha em seu comentário — o Falcão apruma as penas, imaginando como sairiam dali.

— Creio que devam tomar mais cuidado com suas palavras, pois o Corvo não enlouquecera; tão pouco nossa Rainha soberana. — Murmurei enquanto as minhas linhas ainda eram escritas.

Eu bem sabia que muitos reinos foram esquecidos em rompantes como este… Assim como ocorrera com meu irmão mais velho, com a caixa de Pandora e tantos outros mais que possuem um resquício da alma de minha senhora…

O Corvo limpava os olhos de lágrimas fugidias do riso que até pouco o dominara. Recuperava o fôlego e, mantendo uma forma quase humana, sentara-se a frente do felino que era quase uma resposta a tudo aquilo.

— Tudo que acontece tem um motivo. Sempre teve! A vida é um ciclo de páginas que são escritas, reescritas e rabiscadas.

O Gato se sentava a frente do Corvo e tentava compreender aquele novo enigma.

— Porém, muitos escrevem, poucos são os que conseguem reescrever e raríssimos são os que conseguem rabiscar um ciclo de páginas de uma vida.

— Sabe por que recito tanto as palavras Nunca Mais? — o Corvo pergunta ao Gato.

O Falcão irritado com todo mistério que o Corvo os envolvia resmungou:

— Porque nunca mais encontrará a pessoa amada, por ela se encontrar no Reino dos Mortos.

O Corvo volta a rir com os dizeres do Falcão.

— Não, quem sofria desse mal era um escritor que pensava que o Corvo era um emissário da amada que se encontrava no Reino dos Mortos e ele apenas o alertava que nunca mais tal escritor veria a mulher amada — minhas folhas farfalham com a impaciência do Falcão.

— Há algo mais nessas palavras, pois elas também me pareciam com as palavras da Rainha ao dizer que não havia mais espaço para o amor em seu coração — o Gato ronronou baixo — ou até mesmo com as palavras de Pandora de que ela devia ter aprendido.

O Corvo observava o Gato com maior interesse…

— Diga-me Gato quão grande fora o estrago que Pandora causou em seu coração?

O Gato parece surpreso com aquela pergunta feita pelo Corvo repentinamente, pois ele acompanhara Pandora em apenas alguns passos, no momento em que ela buscava compreender seu próprio ser e depois quando esta vira o tamanho do estrago que causara a todos que lhe rodearam. A pergunta poderia parecer cruel, mas os últimos momentos de Pandora foram entregues à Rainha pelo próprio Gato, não por uma vingança, mas sempre por algo mais “que nunca terá um fim”…