Seus olhos enegrecidos ardiam intensos, não sabendo se de fúria, ódio, ciúmes ou paixão. Os pensamentos rasgavam-lhe o peito em sua incompreensão. Firmava as mãos ao corpo adormecido, trêmulo de raiva, torpe em desespero, rogando à mente pragas ao colorido rufião.
Afasta, aos poucos, as mãos ao deitá-la, por vezes pensando na forma de extirpar da vida de sua amada o mal que se apossara de sua atenção, mas havia visto em assombro desmedido o rufião arrancando o próprio coração.
Mergulhava em dor e sombras, deixando que a noite o abraçasse, sendo embalado em medos e grilhões. O que houvera com sua amada? O que?

– Pierrot? – falara em voz baixa, vendo que o amado na cama não havia deitado. O sol radiante chamava os amantes e risos se espalhavam à sacada. Vendo o amado atormentado em sereno sono, correra ao sabor do vento. Apressara-se em fechar as portas escancaradas, e assombra-se ao ver quem lá embaixo estava.
Beijava a mão de uma nova donzela, rodeando-a com palavras e charmes. Via-o deixando-a com as maçãs coradas e estremecia ao vê-lo medindo-a sob o olhar. Rodeava-a como felino traiçoeiro e em assalto rouba-lhe um beijo. Seu coração não agüentara, pois o beijo roubado fora de outra e ao que os olhos de Harlequin se ergueram, teve certeza naquele momento, que seus olhos faiscaram em intenso rubro e que seu sorriso era sarcasmo.

Batia a porta desconcertada Colombina, mas desconcerto não era o que lhe atormentava, deixava as mãos deslizarem à cintura da mais jovem donzela, contando lascívias e pura depravação. Seus olhos se mantiveram firmes à sacada e suspirando abaixou o olhar. Pobre donzela que ali era enganada, pois de seus lábios e suas mãos ganharia apenas provocações e pondo-se ao lado murmura à sua nova aquisição.

– Até onde irias, movida pelas emoções? Darias a vida, alma ou até mesmo seu coração? Serias capaz de fazer juras eternas, dar seus mais nobres sentimentos, tornar-se um animal sedento, faminto e sombrio? Até onde irias, movida pelas emoções? Serias capaz de matar ou se enjaular? Tornar-te-ia sombra, guardiã, assassina e nada mais?
Assombrada gira a donzela, com seus olhos arregalados, via ali as cores se desmanchando predominando o verde e o preto aos trajes.

– Pobre Harlequin! Não mais és sorriso, alegria ou serenidade. Invejo aquela que roubara teu coração.

O rufião olhou a jovem de soslaio em semblante frio e sem sorrisos.

– Invejo… E temo…