Lá estava ela, mergulhada em seus pensamentos, vendo o Cigano andando pela residência e mais uma vez, seus pensamentos mordazes o assombrariam se ele sequer pensasse o que ela escrevia enquanto ele se preparava para suas batalhas.

Todos os dias eu acordo e penso em milhares de formas em que posso morrer naquele dia. Com esses pensamentos sondando a minha mente, meu corpo entra no automático e começo as tarefas triviais que não interferirão no mundo externo que me assombra. Depois que o ciclo se completa dou meu até logo o qual preciso escutar a resposta do até mais e beijo a cabeça do Cigano enquanto ele ainda está mergulhado no mundo de Morpheus.

No entanto, no último ciclo às vezes falho… E quando falho, meus passos estacam, os olhos arregalam e o coração descompassa. O tempo é preciso, curto, mostra que não há tempo para erros e retorno. É preciso acelerar, resignar e ter meus pensamentos assombrados por aquele ato falho. Não há mais tempo de voltar, de despedir, de ter a certeza que se o dia derradeiro for exatamente esse dia, poderei morrer em paz por ter me despedido da forma que acho adequada.

Quando falho, cada lugar possível de uma das visões que tive ao acordar faz-me esperar para ver se as concretizo ou se foi mais um falso alerta de quem sempre viveu o dia como se fosse o último dia de sua/minha vida. No caso do falso alerta, suspiro profundamente, fecho os olhos e prossigo com a vida que entra no automático até encontrar a próxima possibilidade do fim da minha existência.

Porém, quando completo o ciclo da forma adequada, a vida inteira entra no automático, decorre com as horas parecendo segundos, sem visões de morte ou de coisas que possam dar erradas. O olhar veste máscaras tão bem adequadas que nem mesmo eu sei que papel desempenhei naquele bendito dia. As conversas parecem agradáveis, os risos psicopatológicos, e ao retornar para o conforto do meu lar, meu corpo só descansará quando todas as peças estiverem completas e nada mais me faltar.

Seja bem vindo sexto antecedente dos 21 destas quatro décadas e algo mais. Obrigada por me assombrar mais uma vez corrente.

Era interessante observá-la discorrendo o que a assombrava, mas era desconcertante quando ela olhava em meus olhos, com aquelas sombras que escondiam um mundo que pulsava e desejava voltar à vida… Não de formas coloridas… Mas de um modo que muitos não iriam gostar.