Jean havia saído de perto. Tinha ido à diretoria para dizer que precisaríamos do material para estudar com mais calma o conteúdo e pesquisar a fundo o que estava acontecendo na biblioteca do museu. Thorn cruzava os braços depois que recolhemos o material e parecia pensativo.
– O que está o perturbando tanto Thorn?
Falei sem nem ao menos olhar diretamente para aquele que me ensinou tudo que sei sobre Necromancia.
– Você não respondeu a minha questão Alice.
Eu sabia exatamente aonde Thorn queria chegar. Sabia que ele me olhava de forma inquiridora por questões profissionais e de amizade. Um respirar mais profundo escapa de minha parte e cruzando os braços eu direcionava os meus olhos para os livros.
– Sei de muitas coisas que você me ensinou. Sei que o livro contém informações que são necessárias para a criação de zumbis.
Thorn continuava a me observar. O ar parecia tão tenso que seria capaz de afastar qualquer “adormecido” do local em que nos encontrávamos.
– O que me intriga Thorn e creio que esteja o intrigando, é o fato de que se a pessoa que possui esses diários tem sob seu domínio um Hellhound, por que ele precisaria de um livro que ensina a criar zumbis?
Thorn então descruzava os braços e se aproximava. Conseguia andar de uma forma tão silenciosa que até mesmo para mim era praticamente impossível perceber sua aproximação, ainda mais porque Thorn não tinha as intenções que meus inimigos sempre possuíam.
– Você sabe que tem algo mais Alice ou não teria colocado a lupa da forma que colocou sobre o livro.
Um calafrio inteiro percorreu o meu corpo, quando senti a mão de Thorn repousar sobre o meu ombro. Não era um calafrio que berrava em minha alma como um alerta de que eu estava em perigo. Não! Aquele maldito calafrio se devia ao simples toque da mão de Togarini através da mão de Thorn.
– Que Deus tenha piedade dos adormecidos se a pessoa que estiver roubando esses diários, tenha em mente aquilo que você viu com seus olhos… Alice…
Aquele sussurrar parecia vir tanto com a frieza de um necromante totalmente dedicado a Togarini, quanto a cobiça que Togarini possuía no desejo de que muitos adormecidos seriam sacrificados naquela história toda.
– Estou interrompendo algo?
O comentário ciumento e temeroso de Jean foi o que conseguiu quebrar aquela sensação e Thorn começa a rir com o jeito de Jean.
– De forma alguma detetive! Estávamos apenas tendo uma conversa amigável entre necromantes.
Jean apenas viu o movimento simples em que Thorn puxava de meu bolso os meus óculos escuros e me entregava. Olhava desconfiado em minha direção enquanto eu colocava os óculos de forma silenciosa.
– Então crianças? Vamos estudar mais a fundo o que contém nesses livros?
Thorn saía sorrindo, carregando-os como brinquedos caríssimos dado a uma criança. Saía de forma sorridente enquanto eu o seguia. Era palpável no ar o ciúmes de Jean, o que tornava a situação toda engraçada, já que eu o tinha como amigo.
– Cuidado Detetive…
– Agente!
Retrucava Jean um tanto quanto emburrado com os modos sarcásticos de Thorn.
– Não os deixem perceber…
Um suspiro delongado escapava de mim, assim como o menear negativo de minha cabeça. Novamente eu sabia aonde Thorn queria chegar com seus comentários. Logo deixamos o local e fomos para a Seção 9. Thorn se enfiou em uma das salas que possuía um círculo de proteção riscado. Círculo forte o suficiente e que usávamos para as conversinhas particulares com entidades no patamar de Togarini, Geburah, Astaroth, Thaumiel, Sathariel, Hareb-Serap, Samael, Nahemoth, e tantos outros poucos delicados que dificilmente conseguiam avatares fortes o suficiente para demonstrar uma ínfima parcela de seus poderes sem que antes enlouquecesse seus representantes. Anderson continuava enfurnado em outra sala que possuía um círculo de proteção parecido. Havia três no total, já que éramos uma tríade.
– Espero que não precisemos de outras duas salas como as que os rapazes estão a usar!
Jean soltava a frase sorrindo, coçando a nuca. Tentava se descontrair diante do meu silêncio ao me ver de braços cruzados e permanecendo com os óculos escuros.
– São dois casos pesados Jean. Dois casos que vão requerer muito de nós. Torça para que não surja mais dois casos neste mesmo patamar.
A frase me veio com uma naturalidade tão grande que Jean não conseguia controlar os seus calafrios. A sensação que o invadia era que ali se encontrava a agente que ele conheceu, antes que Geburah fizesse parte da história toda. O tempo corria da forma mais longa possível. Eu permanecia com os braços cruzados, com os óculos escuros, parecendo mergulhada em meus pensamentos, mas notava Jean ligando para um local para pedir o almoço e depois indo par o stand de tiros. Seria uma longa espera, já que Jean pediu o almoço em um lugar que dava tempo dele usar três pentes de uma Deseart Eagle, avaliando os três alvos que ele usaria e que se preocuparia em atirar no mesmo buraco que seria aberto pelo primeiro tiro. Não tendo mais o que fazer, fui estudar mais um pouco os casos que tínhamos nas mãos. Tentei encontrar algum detalhe, mas a imagem que eu vi no livro não saía de minha mente. Não sei nem ao menos quanto tempo fiquei perdida em meus pensamentos, apenas sei que Thorn e Jean nunca foram tão precisos quanto naquele dia. A nossa seção era avisada de que um rapaz tinha vindo entregar a nossa refeição e Thorn aproveitou o tempo em que Jean perdia para chegar na entrada da seção 9, pegar a comida reclamar tudo que tinha para reclamar da demora da entrega para me explicar o parecer dele.
– Quando for possível, dê uma lida nos diários. Pude perceber que você notou algo que não é visivelmente detectado, mesmo para nós que possuímos este dom maravilhoso que chamamos de intuição mágica.
Thorn colocava o diário de setembro à minha frente e apontava uma coisa para mim.
– Como você pode notar o mês de setembro parece ser o primeiro livro necessário para poder abrir uma das cidadelas de Metropolis. Depois de muito trabalho pude notar que o nosso estimado historiador deu os passos para conhecer uma das cidadelas, mas ele fez isso de forma esperta Alice. Ele não colocou em ordem o passo a passo.
– Então a situação é mais pesada do que eu temia.
Thorn sorria e retirava os óculos de minha face. Deixava que aqueles olhos acinzentados cruzassem com meus olhos de tom âmbar. Cruzava os braços sorrindo e permanecia em silêncio.
– Não precisa me censurar desta forma pelo fato de ver que o historiador também explica a arte da necromancia.
Thorn escutava as minhas palavras e depois se erguia. Ele sabia que ali Geburah começava a agir ao clamar por justiça acima de tudo. Beijava a minha cabeça e partia falando de forma calma.
– Eu já apontei o caminho Alice, agora você já sabe que o historiador foi um necromante de Togarini.
Estava mais do que claro. Thorn acabava de me mostrar que este seria um caso no qual eu não poderia mais interferir. Meus olhos passavam sobre as linhas daqueles diários. Meus pensamentos se perdiam. Eu sabia que o caso Cain estava nas mãos de Anderson. Sabia que Jean teria que se virar sozinho naquele caso dos diários. Jean aparecia um tempo depois rindo com a precisão de Thorn.
– O Gasparzinho adora dar sustos não é mesmo? É incrível a precisão dele. Na hora em que eu paguei o rapaz que entregou a nossa comida e que eu ía fechar a porta, apenas senti a resistência da porta para ser fechada e xinguei o filho da mãe de tudo quanto era nome. Que merda Alice! Ele precisa ser tão silencioso daquela forma?
Por um momento girei a minha cabeça para o lado esquerdo e olhei Jean com os cantos dos olhos por cima de meu ombro.
– A morte costuma vir em silêncio…