Se não tivesse sido as minhas palavras ditas ao “acaso”, Jean teria levado aquilo como uma piada mórbida. Pude notar a reação dele quando o mesmo abraçava o corpo desesperançado e com a mente girando mais do que tudo. Com calma comecei a explicar ao Jean o que Thorn me explicou em suas meias palavras.
– Você sabe como tirar o apetite de alguém…
Jean murmurou, largando a nossa comida sobre a mesa. Confesso que eu também não estava com tanto apetite assim.
– Iremos devolver os livros à biblioteca e ver no que dá.
Ele tentava organizar os pensamentos, mas eu ainda não havia contado que eu não poderia participar desse caso. Contaria após o jantar.
– Apesar de não estarmos com tanta fome assim, ainda acho um desperdício de dinheiro destinando esta comida ao lixo. Venha Jean. Vamos comer um pouco antes de nos matarmos neste caso.
Jean ergueu uma das sobrancelhas ao escutar estas minhas palavras. Sabia ele que eu não era dada a fazer piadas e acabou sorrindo.
– Definitivamente você não deve seguir a sua carreira como humorista, Alice.
– Eu estou sendo realista, Jean.
Juro que eu não consigo compreender o bom humor dos Irlandeses, ainda mais um que tem sangue irlandês misturado com o sangue de Cajun. Jean disparou a rir com meu comentário e então fomos finalmente comer. Ele conversava animado durante a refeição, falando coisas que nada tinha a ver com o caso. Reclamava que a arma estava descalibrada e que teve que ajustar a mira para poder fazer um Smile no alvo.
– Um Smile…
Ele ria com meu jeito frio, mas intrigada com o fato dele ter mudado o padrão de treino.
– Quem você estava querendo matar Jean?
Jean engasgou com a comida e depois engasgou com a bebida que ele usou para passar pelo primeiro aperto.
– Delicada como sempre, não?
Eu fiz um brinde ao Jean com um meio sorriso nos lábios. Era claro que Jean estava pensando em Thorn enquanto treinava. Eles até se davam bem, desde que eu não estivesse por perto.
– Não será arriscado devolver os livros para a biblioteca, quando podemos fazer tudo aqui?
Jean acabava sua refeição em silêncio pensando as poucas palavras que troquei com ele. Eu também acabei minha refeição em silêncio esperando a resposta que ele daria.
– Antes os vigias da biblioteca aos agentes do FBI.
– Bravo!
Jean tinha saído do sério com aquele comentário que eu fiz. Ergui-me e fui caminhando para a sala de armas e ele veio atrás de mim. O silêncio reinava. Eu escolhia as armas e Jean observou as armas escolhidas.
– Você sabe o que enfrentaremos, não sabe? Por que o silêncio?
Escutamos um baque surdo perto da porta e a tensão no ar foi rompida por aquele baque. Andamos com calma, com as armas às nossas mãos. Anderson encontrava-se sentado ao lado da porta, com as roupas encharcadas e olhar vidrado. Avaliamos o estado de nosso chefe. O que quer que fosse que ele tinha enfrentado naquela sala, foi forte o suficiente para alquebrar o estado físico, psicológico e espiritual. Pegamos Anderson e o conduzimos para uma das camas de campanha. Jean explicava sobre o caso que tínhamos em mãos e Anderson balbuciava dando o consentimento para que o resolvêssemos. O pobre homem não conseguia manter uma linha de raciocínio lógica e de tão fraco que estava, desmaiava.
Sabíamos que Anderson estaria bem enquanto se mantivesse ali na seção 9. Mesmo que por dentro havia o receio de deixá-lo a sós.
– Ele ficará bem.
Jean falava para mim como se tentando me confortar de algo que ele ainda não sabia muito bem o que estava acontecendo. Ao contrário de mim que me mantinha em silêncio observando o meu chefe e conversando espiritualmente com Togarini.
– Podemos ir?
A voz de Jean vinha de modo fraco e ele apenas não recebeu a resposta porque o telefone tocou do nada. Virei sem nem ao menos olhar nos olhos de Jean e fui atender o telefone. Jean sentia calafrios, ele sabia que tinha algo de errado naquele telefonema.
– Compreendo. Pegarei o caso.
Jean então se aproxima ao escutar isso, Estava incrédulo me vendo saltar fora do barco. Geburah, tinha o dedo dele nisso, mas foi uma forma que ambos os arcanjos entraram em consenso.
– Mas…
– Eu tenho que cuidar de outro assunto aqui em Nova Orleans.
– Mas…
– O Necromante possui um Hellhound. As armas e munições que eu separei são mais do que indicadas.
– Mas…
– Quando encontrar o necromante. Olhe-o como se eu tivesse me corrompido Jean. Lembre-se de quando você me conheceu. Então você saberá como enfrentá-lo.
– Mas…
Peguei as minhas armas, a minha espada e coloquei o sobretudo que lembrava muito os velhos capotes navais usados por figuras importantes. Se Jean estivesse inspirado, ele soltaria algo como:
– “E lá vai Ahab atrás de sua baleia branca”.
Mas Jean ainda estava incrédulo quando me via alcançando a porta que dava acesso ao hall de entrada.
– ALICE!!!
Pude escutar a voz de Jean como alguém que tenta segurar a pessoa que está a beira do precipício e ele apenas pode ter como resposta o meu olhar direcionado a ele.
– Tente sobreviver…
O silêncio propagou. Ali dois agentes se separavam. Jean finalmente tinha entendido que o acaso não existe. Tinha compreendido que aquela foi a forma que eu encontrei para dizer:
– “Desta vez você estará sozinho”!