Não havia mais aquele tom amarelo nos olhos da neta, muito menos havia aura alguma que denunciasse que quem estava ali era Alice. Havia apenas uma forma feminina com um rosto impassível, deixando às chamas circundarem seu corpo enquanto as gotas de sangue caíam ao chão amadeirado. Não podia ser ela. “Ele” não permitira isso. Não era possível. Mas seus olhos não conseguiam se desgrudar daquela cena em que aquela criatura avançou mais uma vez em direção àquela pequena criança que também não era mais seu neto. A espada que ela carregava nas mãos. Que a grande mãe fizesse com que ela se mantivesse sã, mas ela poderia jurar que as runas que brilhavam emitiam as vozes que clamavam por piedade. Ela jamais havia escutado em toda sua vida algo tão mórbido e pavoroso quanto aquilo que acontecia e nem conseguia acreditar que uma simples criança parecia conseguir manter aquilo afastada dela. A espada rasgava o ar. As chamas que rodeavam aquela forma feminina pareciam se intensificar e o brilho daqueles olhos? Que brilho era aquele? Ele não queria ver. Não queria mais ver, mas estava paralisada, sentindo seu coração doer de tão acelerado que estava. Lágrimas rolavam-lhe a face quando aquela espada se erguia mais uma vez parecendo encontrar toda a resistência que poderia encontrar até começar a rasgar o corpo diminuto e aquele sangue jorrar.
– Grande Mãe! – Escapavam as palavras dos lábios trêmulos, enquanto ela podia escutar o grito da criança. O grito de sua neta à medida que a espada ainda partia o corpo de cima em baixo com tamanha resistência.
Uma coisa que eu aprendi, desde que comecei a conhecer meus pesadelos, é que Deus nunca foi um camarada bondoso como todos apontam. Aprendi que ele também erra como todos os mortais e que também se envergonha de seus atos. Togarini e Geburah sempre me deixaram bem claro que as coisas não eram tão belas assim e que acreditar que Anjos, Arcanjos são seres belos e que só nos traz paz e tranqüilidade, era o mesmo que acreditar em mitos do Papai Noel, do Coelho da Páscoa. Não há beleza alguma nos reinos e nos comandados “DEle” e tentar bancar a melhor do que eles. Tentar mostrar que eu poderia tomar minhas próprias decisões, foi uma das piores coisas que eu fiz. Antes eu ficasse naquele estado adormecido que eu me encontrava. Antes fosse como todas as outras vezes que eu despertava depois de alguns dias em algum hospital, com Jean sorrindo para mim e dizendo-me: Bem vinda ao mundo dos vivos. Mas no momento que eles dois, Togarini e Geburah começaram a corta o corpo da criança, pude ver tudo com meus olhos, pude sentir toda a resistência daquele corpo…. Pude sentir toda a dor que a criança sentiu… Malditos fossem os laços sanguíneos…
“- Me perdoe Alec!” – Foi a única coisa que pude pensar, quando sentia a minha alma quase sendo sugada pela espada junto com a alma da criança. Quando aquelas chamas que me circundavam começaram a envolver o meu corpo junto com a criança e começar a consumir os nossos corpos. Não pude conter o grito de dor. Não pude conter o poder dos arcanjos que me fizeram sentir a dor da criança. Eu devia ter imaginado. O sacrifício da criança não seria a mesma coisa se fosse o próprio Togarini que tivesse a matado e Geburah também não se satisfaria com ele matando pessoalmente. Eles apenas tornaram tudo possível, pois sozinha eu não conseguiria me aproximar. Sádicos… A resistência não existia mais na espada. O corpo dela foi consumido em chamas que vinham do próprio inferno que disputou pela alma da criança e da minha e no fim de todo aquele martírio. Que eu não sabia mais em meio a tanta dor de músculos consumidos por chamas e a mente rasgada por todos os pecados que cometi junto à minha pretensão de ter bancado Deus… Pude apenas ver tudo enegrecer enquanto em algum lugar o som metálico de minha espada parecia ecoar e sumir…
– ALIIICEEE!!! – A avó pode ver as chamas consumindo o corpo do bebê. Pode ouvir aqueles gritos e pensou que Alice também seria consumida naquelas chamas. A primeira coisa que ela escutou foi o baque metálico ao chão. Mas por um breve momento uma luz forte a cegou e foi a primeira reação que ela pode ter no meio de tudo aquilo, foi de proteger os olhos. Seu corpo tremia diante de tudo aquilo, mas um outro baque chamou sua atenção e quando criou coragem de olhar. Seu coração quase parou. Ali, ao chão… Caída com a mão próxima ao punho da espada, estava o corpo desnudo de sua neta. Encharcado de suor e sangue, com o respirar quase inexistente. Os cabelos negros grudados à face como se mostrando a ela que milagres existiam. Aproximou-se temerosa, desejando que aquilo não fosse a última visão que teria. Querendo acreditar que Alice não era um pássaro de mau agouro que a levaria para os abismos de Hades. Tocava-lhe a pele, virando o corpo da moça. O coração dela estava tão lento que a única reação que pode ter, foi abraçar aquele corpo desnudo e deixar as lágrimas tomarem sua face durante um uivo de dor.
– AAAAAALIIIIIIIIIICEEEEEE!!!!