Algumas reclamações ainda podiam ser escutadas. Era claro que eles não aceitariam o homicídio por eletrocução de alguém que resolveu admirar um pouco mais o Jaguar. Os ânimos se exaltavam e a confusão iria começar ali fora. As armas visíveis não intimidavam ninguém e eu já deveria estar preparada para aquilo. Deveria?
Eu não pude conter o sorriso, quando senti a mão no meu ombro e o virar brusco do meu corpo. Eles queriam confusão. Queriam sangue. Arrancavam os óculos do meu rosto, enquanto esbravejavam e vociferavam dizendo que eu pagaria por aquilo. Pagaria?
Aquele que arrancou os óculos do meu rosto, quando parou para pensar em seus atos, estremeceu o corpo por inteiro. A questão não era a cor dos meus olhos. Não eram aqueles olhos em tom âmbar que lembravam os olhos de um predador, mas sim a predadora que existe em minha alma. A alma sombria de quem parecia carregar a morte em uma simples palavra.
Eles podiam me ver ranger os dentes de forma séria, olhando nos olhos de cada um deles, enquanto suas almas pareciam ver mais do que deviam ver.
– P-p-per-perdão!!!
Balbucia o pobre coitado que agora esticava a mão enquanto o círculo que se fechava começou a abrir com passos receosos para trás.
Minha cabeça pendia levemente de lado, enquanto eu retirava do bolso do meu capote um cigarro. O pequeno cilindro cancerígeno era levado aos lábios, enquanto meus olhos se mantinham em cima do grupo que ainda pensava se aquele arrepiar e aquele temor eram normais. Por que não aumentar mais ainda o temor deles?
O sorriso surgia muito levemente, enquanto eu deixava a minha mão em concha e o cigarro era aceso com uma pequena chama. Um truque? Uma ilusão? Eles não teriam chances de perguntar. Deixavam meus óculos cair ao chão enquanto sumiam da minha vista.
A fumaça era inalada com calma e eu nem tive chance de contar até três. Abaixava para pegar os óculos mais uma vez, colocando-o em minha face para poder exalar a fumaça. Era hora de voltar aos negócios. A taverna se encontrava logo atrás e nela seres que os humanos pensavam ser imaginários faziam seus negócios.
Por um momento observo a porta. Madeira de lei. Escura, resistente e guardadora de segredos que mortais jamais compreenderiam.
Um mover da mão e a porta era empurrada com calma. O som parecia escapar lá de dentro. Músicas, conversas, boas gargalhadas. Era como eu esperava. Muitos locais com pouca iluminação. Boa para os senhores da noite. Maldito fosse o dono daquela Taverna. Ele abriu um portal.
Ando com calma pelo local. Tinha que beber algo para evitar confusões. Era engraçado ver as pessoas abrindo passagem. Mas ao que meus olhos encontram o primeiro alvo, minha alma disparou.
– Não pode ser!
Meus olhos não podiam estar me enganando. Minha alma não podia estar enganada. A sensação não era uma das melhores. Eu já tinha visto o rapaz pelas fotos, ele podia ser qualquer um pela foto, mas a sensação de conhecer o rapaz ficava cada vez mais forte. Aquela sensação de que…
– Lupin…
Balbucio por um momento, tendo aquela torrente de imagens que invadiam a minha mente. Sentindo meu coração disparando de uma forma como ele nunca tinha disparado antes. Ao menos que eu me lembrasse. Aquele rapaz era um Lupin.
Resolvo me aproximar do rapaz com cautela. Por um momento cerro os meus olhos e fito a alma do rapaz. Minha intuição não estava enganada. Por mais que eu quisesse a minha intuição não falhou comigo. O rapaz era uma criatura a quem estou acostumada a caçar, e possui o sangue de um Lupin.
– Não pode ser.
Balbucio de forma baixa, voltando a olhar para o rapaz, ainda incrédula mesmo tendo tanta certeza.
– Lupin?
Minha mente me traía, ele escuta os meus pensamentos que eu acabava por expressar em um tom muito baixo. Mesmo que eu não estivesse olhando para ele, eu sabia que ele estaria a me observar intrigado. Minha aura continua a dar calafrios em qualquer ser vivo e me espantava ver que mesmo ele sentindo calafrios ele não se afastou, se mantinha ali ainda me observando intrigado.
– Perdão, mas…
Eu devia perguntar? Devia confirmar os meus temores?
– Qual é o sobrenome da sua família?
Ele ainda me olhava de forma estranha. Também tinha a estranha sensação de me conhecer. Farejava o ar e parecia irritado com o cheiro da fumaça. Pediu então que eu jogasse o cigarro fora e eu assim o fiz. Nunca tinha deixado isso acontecer, mas eu precisava confirmar. Mais uma vez ele cheirava o ar estranhando a ocasião.
– Lupin.
Ele confirmou meus temores. Não podia ser. Minha alma não aceitava. Eu me lembraria, me lembraria dele. Me lembraria do meu passado e o meu passado não tinha uma pessoa como ele. Não tinha. Não podia ter. Em minha batalha interna eu me corto de propósito, para que ele saiba com quem ele está mexendo. Os olhos do jovem brilham como se algo o assustasse. Como se uma torrente de lembranças invadissem a alma e a mente dele. Ele estava tão confuso quanto eu. Eu preciso de um tempo. Preciso colocar a mente em ordem. As memórias de minha infância. Eu preciso acessá-las de qualquer forma, nem que para isso eu tenha que levar esse jovem rapaz à loucura.