Pude sentir em minha pele aquele diminuto corpo rasgando, toda aquela dor que o bebê sentira. Pude deixar meu grito escapar quando Geburah fez questão de me mostrar o que era ter desafiado e ter pensado que eu poderia mais do que eles. Meu corpo mergulhava na escuridão e era rasgado por garras afiadas daquele bebê. Não… Ali ele não era uma simples criança. Aquele feto bastardo em sua verdadeira forma demoníaca – enquanto transitávamos para o Inferno em uma batalha mensurável – mostrava suas garras afiadas, presas sedentas e um corpo comparável aos piores demônios que eu já havia enfrentado. As chamas lambiam nossos corpos, e ambos gritávamos a cada momento que nos atingíamos. Malditos fossem os laços consangüíneos dos Lupin nessas horas. Mas, ao menos eu sabia que a dor seria passageira tanto para Alec, quanto para a senhora. Nossa raiva falava mais alta. Nosso ódio nos consumia. Demônios rodeavam-nos na escuridão, enquanto a batalha se estendia longe dos mortais e de minha vida que esvaía a cada golpe dado e recebido. Não. Eu não podia deixar aquele fedelho me vencer tão facilmente. Eu não era apenas uma humana que fora agraciada com um corpo forte o suficiente para suportar dois Arcanjos. Não era apenas uma humana que conhecia necromancia e que já havia visto a morte inúmeras vezes de perto. Aquele bastardo não iria perpetuar seu sangue maldito na humanidade.
– “Você achou realmente que ela desistiria tão facilmente”? – riu Togarini espreitando aquela batalha nova que Alice enfrentava. Não cansava de ver pessoas de grande potencial que andaram no limiar da morte e que chegaram a morrer, descobrindo que as coisas não terminavam tão facilmente, mas que apenas pioravam.
– “Você sabe que se ela morrer a alma dela será minha”. – Retrucou Geburah que ali se mantinha ao lado de Togarini. Sentia-se desconfortável com aquela teimosia da Inquisidora, mas ficava mais incomodado ainda com a resistência que Togarini dera a ela por não aceitar perder para ele alguém que teve seu contrato inicial com um dos sete Arcanjos da Morte.
Naquele limbo a batalha poderia se estender por século, milênios, eras, se assim os Arcanjos quisessem se divertir, pois o tempo não corria da mesma forma que no mundo dos mortais. Era apenas que eu sabia, mas como uma boa Necromante e seguidora de Togarini, eu sabia que se eu quisesse retornar, aquela batalha deveria ser encerrada o mais rápido possível.
– “Huuum! Interessante”… – murmura Togarini, deixando um sorriso sádico transparecer naquele olhar sombrio. Geburah olhou-o de soslaio, tentando adivinhar o que o Arcanjo da Morte havia visto na alma de Alice, mas ao voltar seus olhos para a batalha o praguejar não pode ser contido. – Você a treinou muito bem.
Quando estava pensando em findar a batalha o mais rápido possível, pude sentir o fedelho agarrando meu pescoço, pude ver aqueles olhos brilhantes e vermelhos fitando os meus. Suas garras rasgavam minha pele, minha alma estava sendo dilacerada e faltava tão pouco para o maldito Geburah ter a minha alma, mas o que o fedelho não contava, nem mesmo Geburah parecia contar, ou se lembrar, é que por mais que eles desejassem a minha morte, a morte ainda não me desejava. Ri por um momento, sentindo meu sangue esvaindo naquele maldito limbo. A criança também sangrava. Sangue de meu sangue, laços atados que podiam se desatar. Aquilo que podia ser trazido à vida também podia ser extinto.
– Por magia eu trouxe você de volta à vida. Sangue de meu sangue e de outros mais.
Os olhos da criança esmiuçavam, tentando compreender o que eu falava, apertando mais ainda as garras ao meu pescoço, o tempo corria e meu sangue fervia, algo me dizia que Togarini estava por perto. Ri mais baixo ainda e percebia que a criança não entendia.
Fiz-me por entender, quando agarrei a outra mão da criança cravando-a em meu coração. Por um breve momento senti aquela dor lacerante. Por um breve momento a criança sentiu a dor que eu senti. O coração de ambos pulsou descompassado e então os corpos foram amolecendo. Era claro ver a incompreensão do moleque, foi claro ouvir aquelas palavras, enquanto meus lábios ainda se moviam, falando algo aos ouvidos de meu sobrinho falecido.
– “Huuum! Interessante”… – murmurou Togarini.
– Você a treinou muito bem. – praguejou Geburah.