Pude ver quando aquele lycan foi se afastando, em seus passos pesados, olhares desconfiados para a orla da floresta. Ao meu lado minha espada ainda continha o sangue cauterizado do fedelho e meu corpo ainda doía. Togarini me trouxe de volta por algum motivo mais sombrio que vai além de nossos acordos, mas sei que Geburah não está nada contente com o meu retorno. Tenho me tornado insubordinada desde que reencontrei Alec. Ao ligar o carro, meus pensamentos pareciam buscar lembranças perigosas do meu passado e meu pé afundava no acelerador. Buzinas, brecadas bruscas e xingamentos, mas nada disso fazia eu diminuir minha velocidade. Ainda havia os rogares de praga de Julia, agora um tanto mais fracos pela distância que eu abria. Esta era a vantagem de ser uma Inquisidora. Saber os limites dos poderes de seus inimigos. Mas não era isso que me atormentava.”

“– Há uma sobrevivente! Rápido, tragam a equipe médica, ela está em estado de choque!
– A realidade é uma mentira! É minha culpa! É minha culpa! Monstros existem! Eles me usaram!
– Rápido! Ela precisa de um calmante!
– NÃO! EU NÃO POSSO DORMIR! NÃO POSSO DORMIR! LARGUEM-ME! LARGUEM-ME! AAALEEEC!”

Um farol alto e uma buzina contínua me trazia de volta a realidade. Dor insuportável, luz a incomodar. Togarini deveria ter me dito que às vezes o corpo reage da mesma forma que um bebê reage ao nascer. Voltar da morte não era fácil. Pensamentos dispersos demais, atenção reduzida demais, lembranças demais.

“– Esta é a garota que perdeu os pais e o irmão?
– Sim, é a própria. Os pais foram assassinados de forma brutal. Seus corpos foram dilacerados, uma verdadeira chacina. O corpo do irmão ainda não foi encontrado.
– Senhores! Eu peço para que evitem este tipo de conversa. Mesmo estando sob tranqüilizantes que a deixam em um estado próximo ao coma, não sabemos o quanto o cérebro dela registra as informações externas.
– Estado pré-coma? Mas… Isso é um absurdo!
– Recomendações médicas. Alice já foi uma de nossas pacientes e tais surtos psicóticos apenas podem ser alcançados com anestésicos, tranqüilizantes ou até mesmo soníferos fortes que impedem a entrada dela em estado Alpha.
– Algum motivo específico?
– Pessoas com forte probabilidade a suicídio e sonambulismo, às vezes necessitam de tratamentos mais pesados.”

– EU NÃO SOU SUICIDA! NÃO SOU! – Gritei esmurrando o volante para despertar daquelas lembranças. Recordações de uma vida trancafiada e dopada, sendo considerada uma louca, psicopata, suicida e sonâmbula. Eles nunca acreditaram quando eu falava que eu não podia sonhar. Aqueles idiotas tão arrogantes em suas falas…

“– Alice Lupin! É um nome interessante, ainda mais para quem tem olhos tão diferentes quanto os teus. Sabe… Eles vão te deixar trancafiada aqui pelo resto de tua vida e jamais acreditarão em tuas palavras, mas eu preciso confessar uma coisa para ti… Eu sei como trazer teus pais de volta!”

Lágrimas desceram à minha face. Luzes em espaço curto de tempo, sirenes. Solavancos bruscos.

“O grito ainda podia ser escutado, as pessoas gritavam horrorizadas, eu não havia tido piedade alguma e meus olhos se encontravam com um brilho estranho. Eu podia sentir aquele beijo à minha face, lambendo o sangue que escorria minha pele clara, mas ninguém mais podia ver isso. Aquele ser que morria em minhas mãos era mais um desgraçado que devia ser sacrificado. Mas ele ainda não era o demônio que havia matado meus pais. Pude escutar o som de várias armas sendo engatilhadas, eu podia sentir a morte se aproximando e murmurando para mim.
– Ainda não é tua hora, minha doce Avatar!
Os passos eram cautelosos e a voz que se pronunciou possuía uma imponência que jamais eu me esqueceria.
– Alice Lupin! Você se encontra presa por homicídio culposo. Você tem o direito de ficar em silêncio, tudo o que disser, poderá ser usado contra você.”

Meu carro encontrou algo no caminho, a porta se abriu bruscamente e então pude escutar aquela voz mais uma vez.
– Alice! Alice! Por Geburah, Mulher! O que você andou aprontando?
Senti aqueles braços me tirando do carro, o grito dele ordenando que trouxessem minha espada e que tirassem meu carro das escadarias do Bureau. Meu corpo era carregado às pressas, enquanto eu ainda podia escutar aquela voz.
– Por favor! Fique comigo! Alice! Vamos… Não desista agora! Se você chegou aqui é porque você não quer desistir.