A porta era fechada. Lacrada para evitar problemas maiores. Isto sempre foi uma das regras internas da seção 9.
Caminhei até um canto, e peguei o giz. A luz indireta deixava o lugar mais lúgubre do que o costume.
Eu sabia que eles estavam esperando só este momento. Não era costume ambos agirem juntos. Mas, quando agiam, era um espetáculo sem igual. Ambos me espreitavam. Viam as riscas de giz sendo desenhadas em um enorme círculo com seus simbolismos. 12 horas de rito para um. 12 horas de rito para o outro. Tudo feito com extrema calma, tendo seus devidos selos de proteção para que aquele encontro ficasse naquela sala.
Bato as minhas mãos retirando o excesso de giz das pontas dos dedos. Acendo as velas necessárias e caminho até o centro do círculo. O som metálico torna-se audível e a espada era retirada da bainha. mais símbolos que eram expostos e o girar da lâmina refletindo as luzes das velas. As duas mãos se uniam, segurando o cabo da espada. Uma pequena prece era iniciada e ao findar da prece a espada era cravada no centro do cículo mágico com toda violência até um dos meus joelhos tocarem o chão. Um vento surgido do nada rodopia ao redor do círculo de modo raivoso, apagando todas as velas e iluminando as riscas de giz em tonalidades azuladas. Mão esquerda no punho da espada. Mão direita sobre o coração.
– Que a Justiça acima de tudo seja feita à minha vontade.
A voz ressoava grave e tempestuosa e apenas o erguer dos meus olhos foram o suficiente para vislumbrar a figura imponente daquele Arcanjo em sua armadura prateada, traços fortes e cabelos grisalhos. Suas asas pareciam pegar quase toda a sala, enquanto eu parecia pequena diante daquele arcanjo de olhos dourados.
– Assim será, Arcanjo da Justiça. Mais uma vez me ofereço para ser a Lança que trará aos infiéis a verdade sobre a justiça divina. Que não mais ousem ferir os cordeiros D’Ele, pois estes estão sob vossa proteção.
– Amém!
– Olho por olho. Dente por dente.
Aquelas palavras eram recitadas tanto por mim quanto por Geburah e pude sentir, quando meu corpo mais uma vez recebia a dádiva dele. A sensação de ter os músculos sendo dilacerados e da mente recebendo todo aquele conhecimento por questão de milésimos de segundos, sempre foi perturbador demais. A espada era retirada do chão de concreto, como se fosse tirada da areia, o vento dissipava naquela sala, o chão já não mostrava mais as marcas de giz, e a iluminação voltava a ser feita pelas velas que se apagaram diante da presença do Arcanjo da Justiça e agora voltavam à vida.
Mais uma vez eu caminhei. Apaguei cada uma das velas e as recolhi. Colocava-as dentro de uma pequena caixa prateada e me sentia perturbadoramente pronta para mais uma missão. Mas os ritos não tinham terminado e então um pedaço de carvão era pego, assim como giz feito de enxofre.
Dei início àquele novo traçado. O círculo era feito, os símbolos. Tudo com calma e precisão. O encontro com os arcanjos não era demorado, o que demorava era toda a preparação para encontrá-los. O círculo, os símbolos, os selos de proteção, as velas acesas com as palavras corretas e a prece para invocar cada um deles. Isso sim é que fazia cada rito tomar 12 horas e cansaço era algo que eu não poderia me dar ao luxo. Não com ele…
Uma vez mais ao centro do círculo. A prece é recitada em línguas já esquecidas pelos mortais. O cheiro de sangue toma o ar e meus olhos miravam um local que se encontrava escuro longe da iluminação das velas. Uma a uma as chamas íam ficando esverdeadas. As trevas pareciam começar a tomar conta da sala. O círculo e suas marcas pegavam tonalidades avermelhadas e líquidas, mãos pareciam surgir do chão. Os gritos se espalhavam, enquanto os corpos surgiam, pútrefes e vazios. Minhas palavras continuavam ser recitadas, enquanto a mão que cortei com o fio da minha espada, ainda pingava o sangue dentro daquele círculo.
– Venha a mim, Arcanjo da Morte. Venha ao encontro da necromante que o invoca!
Cada vez mais as trevas pareciam tomar o local. O cheiro asqueroso tomava conta de minhas narinas e eu agradecia por não ter comido nada, pois o embrulho no estômago que eu estava sentindo me faria por tudo para fora. As vozes pareciam estar mais próximas e eu sabia que tinha que me manter parada. Então tudo se enegreceu e um leve sopro denunciou a posição do Arcanjo da Morte.
– Sabes que esta oferenda é singela, minha avatar. – Togarini tinha rompido o círculo. Desejoso pelo cheiro de sangue que ele tinha sentido em singela oferenda. – Por que me trouxe até a tua presença?
Senti Togarini pegando a mão ensanguentada, sorvendo um pouco do sangue que fluía pelo corte. Seus olhos em tons negros miravam-se nos meus e as asas negras fechavam-se ao redor do meu corpo.
– Precisarei de sua ajuda.
– Sim! Precisarás de minha ajuda no mais tardar.
O frio começava a tomar conta do meu corpo e Togarini ainda se deleitava com o sangue que vertia do corte em minha mão. Eu não podia demonstrar temor, eu não podia sair dali, enquanto o rito não terminasse e ele aceitasse me ajudar.
– Sabes que apesar de empregar a justiça. As mortes são tuas oferendas.
– Apenas aceitei emprestá-la a Geburah, pois ele fica saciado com a justiça feita e eu me sacio com as mortes feitas por tuas mãos. De outra forma eu não a compartilharia.
– Minha lealdade é tua Togarini, sabes que eu não confio em Geburah.
Togarini ri por um momento e pude sentir as minhas forças querendo me deixar. Ele sussurrava em meus ouvidos a tempo de retirar a sua presença e de sua comitiva daquela sala. Em tempo de meus olhos vislumbrarem os reinos de Togarini, quando meu joelho estava ao ponto de tocar o chão e minhas forças me abandonarem.
– Eu sei e por tua lealdade hás de ter a minha ajuda mais uma vez.
Meu joelho tocava o chão, meu corpo tombava e minhas costas sentiam o concreto. A espada caía e as luzes das velas voltavam ao chamuscar amarelado.
– Descansai!
Pude sentir o acariciar de uma pluma deslizando minha fronte, nariz, lábios, queixo, pescoço, colo até alcançar a altura do coração. Meus olhos pediam para ser fechados…
– Alice!!! Você voltará amanhã?
– Alec!!! – Murmuro por um breve momento.