Enquanto esperávamos a cavalaria, Jean não conseguia parar de andar de um lado para o outro. Maldições eram rogadas no entoar de suas palavras e eu apenas escutava tais maldições. Aquele historiador já deveria estar com uma lista enorme de maldições em suas costas. Resolvi passar o tempo para ver se encontrava mais alguma coisa a respeito dele. O tempo corria enquanto eu pesquisava e Jean ainda rogava sua lista infindável de pragas.
– O Apocalipse está para acontecer?
Escutávamos as palavras sarcásticas de Thorn que aparecia como sempre da forma que mais assombrava as pessoas que o conheciam. Em um instante ninguém e no outro, aqueles olhos acinzentados e frios encarando as almas dos desavisados. Jean ergue a mão. Segura as suas maldições nos lábios e Thorn apenas observa sorrindo na direção dele. Ali estavam aqueles dois Avatares se encarando. Um Avatar da Justiça e um Avatar da Morte. Dois extremistas que apenas tinham se esquecido que eu estava por ali.
– Merda Thorn!!! Eu devia…
– Devia?
Thorn o olhava de forma desafiadora, enquanto meus olhos ainda se mantinham presos nos livros vendo que nada havia sobre o historiador e nem um relato sequer sobre a morte dele. Nenhuma condenação com acusação de bruxaria… Nada.
– Não o desafie O’Toole.
Jean então desvia o olhar em minha direção com seus pensamentos quebrados e a lista de mil maldições se desvanecendo antes mesmo dele me perguntar o porquê.
– O que temos?
Me perguntava sem mais demoras o meu amigo necromante e eu apenas apontava na direção dos livros que ele precisava olhar rapidamente e nos dar o seu parecer. Thorn então se aproxima dos livros, vendo que minha atenção se dividia de modo discreto em sua direção, mesmo que eu estivesse prestando mais atenção em outras coisas enquanto pesquisava sobre algo.
– Certo… Vejamos o que temos aqui…
Jean suspira fundo. Tinha um pouco de inveja por Thorn me conhecer há mais tempo que ele, mas sabia respeitar alguém que eu respeitava. E como todo homem, se sentia vitorioso pois eu andava mais em sua companhia do que Thorn.
– Cuidado agente… Não deixe que eles percebam…
Jean pigarreava escutando estas palavras de Thorn e um sorriso surgia fino aos cantos de meus lábios. Homens… Quem os compreendia afinal?
– Vamos por partes…
Anunciava Thorn depois de um tempo de leitura.
– O nosso digníssimo historiador relata nestes dois livros o encontro dele com zumbis. Algo comum para esta cidade que possui seu lado místico cercado por Hongans. Ele se mostrou bem interessado em toda a história, mostrando como os zumbis agiam, do que necessitavam e coisas do tipo.
– Para muitos isso daria um bom livro de terror em que poucos acreditariam, ou então pensariam até mesmo que ele não era historiador, mas sim um escritor renomado. Já neste segundo Livro que vocês me mostraram é que me deixou preocupado.
Jean podia notar que eu tinha parado as minhas pesquisas e mesmo que não estivesse olhando nos olhos de Thorn, ele sabia que eu escutava atentamente a explicação do necromante.
– Aqui…
Thorn colocava o livro à minha frente, ficando do meu lado esquerdo e Jean se aproxima do lado direito para ver o que ele mostraria. Pode notar ele apontando algumas anotações de ervas e a quantidade de cada uma delas.
– Exatamente aqui, minha estimada amiga… Ele relata de forma precisa como criar zumbis. Você como uma boa necromante sabe que as quantidades estão erradas, pois esta foi a sua primeira lição quando estávamos no orfanato. Mas o que tem de tão diferente neste caso para você não ter me contado os detalhes que eu necessito saber?
Jean olhava para mim. Um pouco surpreso. Se eu sabia que o historiador tinha errado, então por que eu chamaria Thorn. Ambos esperavam a resposta, me viam pegando uma lupa e colocando em cima dos números escritos, apenas como alguém que estava a apoiar a lupa ali por um acaso. Jean não se atentara pois ele buscava o algo mais que eu iria explanar, mas Thorn… Thorn sentiu um imenso calafrio quando me viu virando na direção dele.
– Outros livros sumiram. Livros que não sabemos o que continham. Não sabemos até onde este historiador chegou. Quão fundo ele foi capaz de chegar… Mas será que não sabemos, ou será que sabemos e é isso que nos preocupa?
Thorn rangia os dentes. Sua musculatura estava tensa. Pela primeira vez, Jean via o que parecia ser uma expressão de preocupação no olhar de Thorn.
– Como é o guardião?
Perguntava de modo frio, gerando calafrios em Jean de forma monstruosa. Ele podia sentir a presença de Togarini estendendo suas asas sobre a minha pessoa e a de Thorn. Chegou a ver um leve estremecer de minhas mãos quando Thorn parecia começar a ser consumido por aquela obsessão que apenas Togarini parecia possuir.
– Foi visto na forma de um cão. Um cão de proporções anormais, capaz de gelar a alma daquele que sente o soprar do ar quente sobre ele. Um cão de aspecto demoníaco que apenas faz sua vítima clamar por sua alma e por piedade. Chorar clamando por perdão e que tem rondado no horário dos mortos e dos demônios. Capaz de selar todas as saídas existentes e possíveis para que suas vítimas não escapem de sua fome voraz.
– E o que aconteceu de diferente? O que há de diferente neste cenário Lupin?
Jean sentia calafrios enormes. Nunca tinha ficado tão perturbado com a presença de Alice e de Thorn daquela forma. Seus olhos mal conseguiam se manter fixos naquele ser imponente que parecia abraçar os necromantes com suas asas, enquanto mil almas clamavam perdão. Almas de condenados que tinham encontrado seus destinos nas mãos do Arcanjo da Morte.
– O guardião não concretizou o ataque. Algo o fez parar antes mesmo que ele abocanhasse sua vítima, enquanto mais um dos diários sumiam.
Thorn sorria, deixando os dedos dele deslizarem pelo livro e alcançarem a lupa.
– Ele voltará. Voltará para pegar este livro que deixou para trás por pensar que os números estão errados. Mas você sabe… Não sabe?
– ARGH!!!
A voz de Jean era bem audível para ambos. Encontrava-se abraçado ao próprio corpo com um dos braços enquanto riscava no chão com giz o início de um círculo de proteção. Togarini observava aquele agente que estava perto de seus avatares e sussurra no ouvido de Jean.
– “Ainda não é a sua hora, Agente”…
O giz era quebrado e os riscos pareciam ser soprados por uma lufada de ar gélido vindo do nada. Jean se encontrava encolhido tremendo e de olhos fechados. Pôde sentir mãos o erguendo, mesmo que sua alma estivesse furiosa por sentir o toque de Togarini brevemente.
– Apreendam o material. Preciso estudar ele mais à fundo… Mas precisaremos ir para o trabalho de vocês…
Jean acena com a cabeça em afirmação enquanto se afastava de nós dois. Thorn apenas o observava enquanto o rapaz saía e já me ajudava a recolher o material. Seria melhor para Jean que ele não escutasse o que Thorn teria a me falar.