Quando me falaram que eu ía ficar de molho por bastante tempo, eles não especificaram que o tempo seria um semestre inteiro. Um semestre sem ir para as ruas e combater os seres que atormentam a humanidade. Não especificaram que eu teria que fazer um dos trabalhos que os Agentes do FBI mais odeiam. O serviço atrás da mesa. Serviço de pesquisa e preenchimento de papeladas. Se eu não morri com um maldito demônio, aquele serviço me mataria durante o transcorrer do semestre com certeza. Não tendo o que fazer, comecei então a pesquisar o que meu chefe tinha pedido. 70 aparições. Este era o número de vezes que aquele demônio tinha deixado sua presença aparente em Nova Orleans. 70 relatos de pessoas que foram tomadas como loucas pelo simples fato de que tais relatos pareciam improváveis. 70 relatos em que o FBI teve que tomar as rédeas dizendo que se tratava de um psicopata que sabia trabalhar com o medo e a superstição dos incrédulos. Ainda fico me perguntando se o filme Homens de Preto ajudou-nos em nosso trabalho, ou se ele apenas dificultou. Afinal… Pessoas que não possuem medo são as primeiras a morrer nas mãos daquilo que elas pensam que não passa de um fruto de suas imaginações férteis.

– Alice… Teremos visita esta tarde… O que você descobriu sobre o seu antigo amigo?

Meu chefe tentava ser engraçado comigo. Tentava arrancar um sorriso, quando sabia o quão perigoso isso poderia vir a se tornar para ele. Mesmo sabendo o mal humor que eu me encontrava. Chamava meus próprios demônios de amigos. Amigos que eu gostava de partir ao meio. Arrancar o coração e a cabeça e quem sabe cremá-los até que não restasse um osso para contar o paradeiro destes “amigos”.

– 70 aparições aproximadamente. Ele soube causar estragos… Mas você disse que receberemos uma visita?

Ele podia ver-me intrigada. Quando ele dizia visita no tom que ele disse, e ainda desconversando o assunto usando o meu último caso… Isso significava que talvez teríamos algo grande em nossas mãos. Péssima hora para se estar atras de uma mesa. Mas depois disso o ritmo voltou ao normal e continuei a fazer o meu serviço.

Perto do fim da tarde. Um pouco antes da hora do jantar… Nosso visitante chegou.

O rapaz chorava copiosamente. Dizia que não era culpado. Mas algo estava absurdamente errado. Por que os agentes pareciam temê-lo?

Dois dos sete agentes entravam na seção 9 depois do rígido procedimento. Uma das portas eram lacradas e a segunda era lacrada assim que o rapaz era jogado dentro do hall de entrada.

– O que ele fez?

Os sensores nada apontavam. Uma tecnologia de ponta digna de filmes de ficção científica. O rapaz continuava a chorar. Sentia-se acuado sem saber que estava sendo vigiado.

– Não o julge pela aparência Agente Lupin. Este rapaz matou 48 pessoas em um cinema. Pôs abaixo três guardas que atiraram nele e mesmo tendo levado tantos tiros, nada o fez parar. Ele continuou andando. Mais guardas chegaram. Estavam apavorados. Atiraram no rapaz que ainda avançava em direção a eles e só parou depois de levar o tiro de uma granada de gás lacrimogênio no meio da testa.

Com certeza aquilo era algo que não se via todos os dias. Os Scanners buscavam algo que scanners comuns jamais achariam. Era intrigante ver aquele rapaz ali que parecia tão frágil, que não parava de chorar, ser capaz de fazer tudo aquilo que os agentes diziam que ele tinha feito. Mas os problemas estavam apenas iniciando e como eles mesmo tinham dito… Nunca julgue um livro pela capa…

Um calafrio enorme percorreu o meu corpo, quando o rapaz olhou diretamente nos meus olhos. Mesmo ele não “sabendo” aonde eu me encontrava. Os Scanners dispararam feito loucos e o rapaz batia com os punhos fechados na “parede”.

– VOCÊS NÃO PODEM ME IMPEDIR!!! ELE NÃO ESCAPARÁ!!!

Os agentes se assustam, pois a cada esmurrar do rapaz as paredes tremiam. Era uma péssima hora, as amarras não estavam preparadas para aquele tipo de problema. A tensão aumentavam e os agentes pediam para que eu abrisse o compartimento para que eles fizessem seu serviço. Mas tanto o rapaz quanto eu nos encarávamos.

– Péssima hora para vociferar…

Murmuro em tom baixo sentindo as estruturas se abalando com cada murro que o rapaz dava na tentativa de se libertar. Acionei o gás lacrimogênio para distrair o rapaz que urrava, com o ardor em seus olhos e nos pulmões. Em seguida bombardeei a sala com gás sonífero. Não me preocupei com a dose. Ele aguentaria…

– Você é louca??? Você o matará!!!

Não dei importância para os agentes… A luz parava de piscar. Os Scanners davam o aval para a abertura do hall e a existência da vida no rapaz. Meus olhos se firmavam no rapaz quando as portas foram abertas… Os agentes entravam e em um momento tenso como aquele a adrenalina era descarregada, justamente aonde não devia ser descarregada.

– Não se atrevam a continuar estes atos em minha seção!

Quão bela se tornou a cena. Era divertido ver tantas armas apontadas para a minha cabeça e para o rapaz que estava sob a minha custódia a partir daquele momento.