O Palácio há muito não era visto por meus olhos. Arcádia continuava imersa nas sombras das dores que carregava em suas terras, mas aquelas lágrimas de sangue um dia secariam e eu voltaria a ver a Rainha se reerguer soberana com suas novas cicatrizes de guerra.
Por muito tempo contemplei o horizonte obscuro, por mais tempo, ainda, mantive minhas asas zelando pela alma de meu protegido.
Mas meu coração pulsava, retumbava a voz dos ventos que clamavam por minhas asas e eles me levavam novamente ao local tão bem conhecido.
O Abismo.
Por mais que eu tenha escutado os avisos para não mergulhar na negritude que agrilhoa sem perdão, aquele lugar não era questão de opção.
– “Apenas aqueles que aqui habitam, são capazes de saírem vivos”.
Esta era a voz do Abismo. Do início e fim. Do tudo e do nada e eu não o temia.
A questão não era sair vivo, mas de não se deixar agrilhoar e perder as esperanças ao caminhar por lá.
À entrada é possível escutar os clamores e as lágrimas e nesse momento é cauteloso deixar as emoções bem guardadas.
Sufocantemente tentador, mergulhar em tal lugar é como adentrar um poço de águas negras que deseja afogá-lo.
Tentáculos percorrem seu corpo espiando suas culpas, seus anseios e seus temores. Mostram-lhe futuros capazes de trespassar seu corpo e arrancar seu coração.
Tentam seduzi-lo para que ali permaneça e se deixe agrilhoar, fazendo com que você esqueça quem é e do que é capaz.
O Abismo então se torna uma etapa necessária, para que se livre do elo que o prostrará ao chão e que desista de suas batalhas.
E mais uma vez eu lá me encontrava.
Não precisava de meus olhos, sequer de iluminação.
Não precisava relembrar os temores que tive há tão pouco tempo atrás.
Havia motivos para estar ali e um a um, fui os encontrando.
A cada novo selo rompido e grilhão quebrado, sentia a cobrança do Abismo.
– “Apenas aqueles que aqui habitam, são capazes de saírem vivos”.
Não retrocederia em minhas escolhas, nem mesmo me abateria por aquelas tentações que me circundavam e a cada momento sentia meu corpo fraquejar.
O sangue escorria por meu corpo e minhas asas pesavam cada vez mais. Sentia o sufocante peso que preenchia meus pulmões e trêmulo caí ao chão.
– Asas… ASAS!!!
Meu corpo encharcado era virado e aos poucos eu os via ali…
Belos em suas formas, com suas asas tão cicatrizadas quanto as minhas e por um momento sorri.
– Apenas aqueles que aqui habitam, são capazes de saírem vivos…
– E de se redimirem…
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Veja também:
Abismo
Abismo – Parte II
Abismo – Parte III
Abismo – Parte IV