Saímos e entramos diversas vezes dali. Jamais sozinhos, pois não seria prudente.
Batalhávamos em reinos separados e por vezes parecíamos tão distantes um dos outros que alguns iluminados se acalmaram.
Em parte…
Presenciava de longe alguns atos que causavam tremores nas linhas que Destino me mostrava.
Sabia o que aquele perpétuo queria me dizer com seu olhar cego e seus lábios mudos, via as linhas espiraladas que ele traçava e por vezes me resignava.
– “Sabes que não poderás acumular tamanho carma para ti. Sabes muito bem que ele já viu o que estavas escondendo tão bem com tuas negras asas”.
Suspirei longamente em concordância, pois à voz de Destino, era como se meu próprio irmão conversasse comigo em seus momentos de “paz”.
E minhas asas agitavam-se a cada visão que me mostrava o que meus irmãos mais novos aprontavam.
Estrela-da-Manhã tocava meu ombro. Não havia grilhões ali, mas ele também se preocupava.
Um clamor e ali estávamos aos olhos de Destino e de muitos outros.
Outros estes que se esgueiravam sentindo que aquele encontro geraria ganhos para suas causas e Destino sabia, assim como eu também sabia, mas não aceitava o que estava predestinado a acontecer.
A fúria foi crescendo entre os demais.
Por um lado eu via a fé sendo abandonada, largada de uma forma que me deixava incrédula com o que estava acontecendo ali.
Por outro lado eu via chispas de fogo crescendo, dúvidas sendo lançadas, estocadas de lança que sabiam onde atingir, como ferir.
E não muito distante, eu via uma tentativa frustrada de abrir os olhos que desejavam se fechar, mostrando o que perdíamos ali, e risos baixos que cresciam à medida que tudo aquilo avançava.
Grilhões. Eu escutava aqueles grilhões que retiniam alto na tentativa de libertar. Sentia em meu corpo cada golpe dado por aqueles que brigavam entre si. Escutava minhas asas gritando à medida que sentia as mãos que avançavam em direção a eles, meus protegidos, quase sendo arrancadas de meu torso enquanto meu irmão gritava.
– “FAÇA ALGO! ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS”!
Gritei. Como há muito não fazia. Gritei com todas as minhas forças e não houve palavras que me impedissem naquele momento.
Minhas sombras cresceram de um modo assombroso e Estrela-da-Manhã sabia, em sua alma, que o que viria a seguir não teria mais como ser remediado.
O Abismo que estava tão longe veio a mim. Englobou nossos corpos naquela escuridão sedenta e faminta. Fez-me erguer minha lança contra meus próprios irmãos e eu julgava. Julgava a mais nova dos quatro, com os olhos sombrios como o Abismo. Não havia piedade em minha alma e o terceiro temeu. Ali em minhas mãos brilhava a lança da justiça. Justiça essa que um dia condenara muitos.
“Ela não é digna, sabes o que tem que fazer”.
Mikhael sussurrava, meu irmão mais novo clamava, tentando trazer razão à minha mente mais uma vez.
Quão tentador era fazer o que era necessário, esperar mais mil anos que fossem apenas para não dar a eles o gosto da vitória.
Não.
Mikhael e Astaroth, não tinham idéia do que eu seria capaz, mas Estrela-da-Manhã e Cibele bem o sabiam do que eu seria capaz.
Silêncio…
Cibele caía de joelhos, sentindo a minha fúria, sabendo por antecipação o que estaria predestinado a ela, pelos sorrisos dos iluminados, e pediu-me perdão.
Com semblante sério, tendo ali Abismo, iluminados e Estrela-da-Manhã presentes, dei a ela meu julgamento.
– Faça por merecer! Até lá…
…
– “As cicatrizes que deixaste nela, farão lembrá-la o que ocorreu neste dia”.
– Eu apenas fiz o que devia ser feito… Loviathar. – murmurei já fora do Abismo, tentando curar minhas novas feridas de batalhas.
Ambos suspirávamos, pois não sabíamos se eles viram aquilo que minhas asas tão bem encobriram.
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Veja também:
Abismo
Abismo – Parte II
Abismo – Parte III
Abismo – Parte IV