Há tempos o Abismo tentava me alertar os eventos que viriam. Mostrava-me os risos e as comemorações que seriam feitas e tocava-me com seus dedos gélidos relembrando-me das promessas feitas.Há tempos eu respirava prolongadamente, observando minhas próprias garras e a lança que brilhava de forma débil e azulada.
Fechei meus olhos.
Ele havia tomado sua decisão e nada mais eu poderia fazer além de cumprir o meu dever.
O ar tornava-se mais pesado, pois a caçula em sua incompreensão dos fatos, gritava, chamava-me para que eu a ajudasse, mas só quem poderia ajudá-la era ela própria.
Na aproximação do fato, minhas palavras tornavam-se baixas, vazias, pois a mente humana apenas juntava as informações alquebradas.
Não havia mais porque me demorar. Meu corpo se tornava etéreo, suportando as mãos do Portador da Luz em minha essência, ao que eu alcançava as asas do mais velho dentro os Quatro.
– Dai-me forças para fazer isso! – estremeci perante minha missão e as gélidas mãos se firmavam em meus pulsos.
– Faça!
O medo começava a se espalhar aos cantos inalcançáveis do Abismo, Elísio e Terra…
A dor se espalhava à medida que a certeza se tornava imperiosa e minhas garras mergulhavam naquele corpo.
Horror aos olhos de muitos, a medida que meu corpo arrancava a essência daquele corpo.
Gritos, estremeceres de corpos, mentes confusas que tentavam compreender o evento.
O Abismo perdia de suas garras uma essência aprisionada em um corpo tolo.
O Elísio perdia a essência que começava a se agrilhoar nas teias do Abismo.
A Terra perdia aquele que com suas asas negras trazia paz; trazia tempestades.
Com lábios trêmulos eu o recebia mais uma vez ao corpo tão marcado de batalhas.
– Obrigado por salvar-me.
Não havia dor, tristeza ou julgamento em seu tom de voz.
Por mais que sentisse em minha alma a falha de uma de minhas missões, eu podia senti-lo tocar minhas asas em profundo agradecimento, enquanto adormecia meus pensamentos.
Ele esperaria mais uma vez.
Aguardaria o momento de despertar tudo aquilo que eu já havia sentido, previsto.
Esperaria os momentos em que meus ânimos se acalmassem para compreender que tudo foi necessário.
– Encontrar-nos-emos quando menos esperardes, assim como encontraste nosso irmão que sempre esteve ao teu lado.
E minha mente compreendeu.
Não sinto tristeza, dor ou sequer me resigno daquilo que precisei fazer.