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Meus olhos se mantinham baixos. Há algum tempo ele se encontrava unido a minha essência. Mais tempo comigo que por outros cantos sondando os humanos. Estava ferido de modo profundo e sentia suas feridas se abrirem à medida que o tempo ia passando e seus olhos presenciavam o feito dos demais.
– Como agüentas? – murmurou-me vendo a quantidade de cicatrizes que se espalhavam por meu corpo e asas.
Com um gesto, abri uma fenda ao Abismo para que sua essência se sentisse mais liberta e ele pudesse caminhar ao meu lado.
– A cada nova encarnação, eu reaprendo, vivencio as mesmas batalhas e feridas.
Suspirou em comum acordo que tinha comigo, pois sentira cada batalha que vivenciei, antes de despertar em sua atual vida que deixara de lado.
– Mas não desistiras como desisti, como há muito venho desistindo.
Abaixei meu semblante, mostrando meu lado pensativo, deixando minhas asas se abrirem portentosas, abrindo fendas no espaço-tempo. A cada fenda, uma janela tomava forma. Janelas de sofrimentos, de vidas, de amores sofridos, não realizados, não consumados; amores violentos, intensos, explosivos; amores raros felizes, por breves momentos e então um abraço.
– Feche-as… Eu… Não suporto mais ver isso… – Murmurou-me de modo débil.
– Não tenhas pena do que viste meu irmão, pois são estas marcas que tornaram mais forte quem nos libertara.
A voz vinha baixa, grave, de modo imponente.
Assustado vira-se buscando com os olhos quem o repreendera, mantendo o abraço em volta de quem mostrara tantas batalhas e seu coração surpreendera ao ver aquelas asas que mudam de cores como convém ao portador delas.
– Liberto! Mas…
Suspirei-me soltando do abraço que tentou me proteger e murmurei.
– A mais tempo do que imaginas, nós nos encontramos. A mais tempo do que eu imaginava, ele se mantinha desperto… Mas o último grilhão apenas fora rompido, quando a venda retirei de meus olhos…
Incredulidade pude sentir as asas dele e meu guardião, repreendeu-o mais uma vez.
– Não ouses fazer isso, nosso irmão já sofreu por tempo demais…
E uma janela permaneceu aberta…
Com cena tão pesada se repetindo…
Um corpo, caído ao chão, tão cheio de feridas e lança cravada perto do coração… Lágrimas que escorriam de quem segurava aquele corpo aos braços em sussurro tão desesperado…
– “Por que me seguiste?”
Interrompi a cena, fechando a janela antes do desfecho…
– Por que fechaste? Por que o seguiras? Como agüentas tamanho sofrimento e tamanhas feridas?
Suspirei sorrindo e duas vozes se uniram. Tão frias… Tão certas…
– Ainda não sabes?