Recordo-me bem das histórias que envolviam Anjos e Caídos atraírem bastante a atenção dos leitores do *Tyr Quentalë. As pessoas deixavam-se levar para o cenário, podendo ver um anjo de asas negras que aos poucos ia mostrando seus sentimentos. São nessas horas que as pessoas perguntam sobre quão profundos podem ser os sentimentos nos anjos, já que estes seguem os desígnios de seu criador.
Resta-me então esclarecer aos leitores de minhas páginas, que muitos anjos são exatamente a personificação dos sentimentos, sendo que cada um deles está atribuído a algo. Sentimentos como o amor não poderiam ser designados a um anjo apenas, pois o que aconteceria ao amor se este anjo tivesse sua queda assim como o primeiro?
Mas minha história de hoje não vem tratar dos primogênitos que caíram ou daqueles que ainda permanecem ao lado do criador.
Sim, eu pude perceber os olhares em minhas linhas e as perguntas que se assomaram às mentes do porquê eu estar escrevendo em letras minúsculas um nome tão imponente.
A resposta é demasiadamente simplória…
Este mérito pertence àqueles que me criaram e me criam à cada momento em que minhas linhas ganham vida, inserindo magia em vocês.
Então cabe-me contar uma história que pode vir a abordar muito mais do que vocês possam vir a imaginar e quem sabe compreenderem que o criador para o qual vocês tanto rezam, ainda será tratado por mim com letras minúsculas.
Seus olhos castanhos esquadrinharam cada canto daquele lugar. O cheiro de mato, os sons, os raios de sol brincando por entre as folhas, sempre deram boas-vindas a ela.
Momentos da infância pareciam invadir sua alma e as lembranças de seus pés ligeiros que faziam-na correr por aquele terreno, transformavam em um forte, cada árvore que ousou se pendurar.
Naqueles tempos, brincava sozinha, pois as demais meninas, um ano mais velhas ou um ano mais novas, pareciam não compreender o que seus olhos castanhos conseguiam ver. A mata daquele local a chamava, as águas dos córregos cantavam e ela era capaz de ficar horas conversando com os animais que lá se encontravam. Mapas de tesouros, histórias fabulosas e aquela serra…
Tudo que envolve aquele lugar sempre a cativou e por mais longe que ela ficasse, o retorno sempre a forçou respirar fundo e sentir o aperto da saudade das antigas magias que ela evocava quando ficava sozinha.
Tantas coisas haviam mudado, mas com um simples fechar de olhos, a casa principal retorcia-se ganhando antigas formas, mudando as paredes de lugar e renovando os ares de outrora.
Risos se espalhavam, quartos enchiam-se de vida e a tranqüilidade retornava ao seu lar.
Mas aquele lar, também já pertencera a muitos outros, assim como ainda pertence.
Em uma sala, uma voz imponente enchia o ar fazendo citações de partes de livros que já foram lidos e decorados, ensinando a filosofia das entrelinhas que os leitores mal percebem em sua leitura crua e pragmática.
Aqueles olhos ganhavam vida, brilhavam tão intensos em seus discursos que davam sentido à magia que ele mesmo inventava.
Por um momento os olhos castanhos da criadora se fecham e o rebuscar do ar torna-se fundo enquanto sente os olhos marejarem. Antes tudo parecia tão belo.
Não…
Não parecia belo se o Criador dos Sonhos ainda vive nos dias de hoje, com olhos tão claros e a voz enfraquecida pelo tempo. Ele ainda consegue arrancar lembranças dos tempos em que tudo era magia na mente daquela que cria.
E mesmo os livros continuando lá em suas imensas prateleiras, convidando pessoas apaixonadas por leitura, permanecendo naquele local tão obscuro, ela ainda pode escutar os risos que continuam lá e seus olhos inflam-se com os brilhos das estrelas no momento em que Ele pronuncia suas palavras com sonhos ou pesadelos que tivera.
A criação composta por Ele sempre partira da vida que ele sonhara e da continuação de sua maestria, mesmo tendo sombras que assomam e crescem ao seu redor.
Por mais que os passos dela tenham se tornado silencioso e sua presença algo quase fantasmagórico, aquele lugar ainda continua a encantá-la, a clamar por sua presença, a necessitar de uma magia que não apenas ela, mas muitos outros podem evocar.
Nos dias de hoje, o temor parece crescente, pois a saúde do Criador não está mais ilibada e garras parecem cravar naquela terra tão cheia de vida, buscando arrancar tudo aquilo que ainda o mantém vivo e seus primogênitos sentem-se fracos e acuados ao perceberem que as vontades daquele que os criou e os alimentou de tantos sonhos, agora parecem tão confusas.
Palavras mesquinhas crescem aos ouvidos e mesmo o bálsamo dos raios de sol que brincam por entre as folhas, trazendo a fraca canção soprada pelos ventos, parece se amedrontar perante o rufar de tambores que cresce a cada noite que passa.
Gritos, choros e até mesmo lágrimas foram presenciadas por aquela que cria e hoje nestas linhas aqui descritas, pude presenciar as lágrimas da minha Criadora.
O tempo é o mais cruel inimigo para aqueles que ainda conseguem criar magias, tais quais as que vivem em minhas linhas, e hoje fecho as minhas páginas para abraçar junto ao Rei Troll, aquela que pranteou ao criar o texto que aqui lêem.
Nem sempre é fácil recordar o passado mediante a um presente tão conturbado na serra que um dia já foi uma ilha repleta de tesouros. Muito menos é fácil deter as lágrimas quando se compreende onde vive a verdadeira magia daquela que cria estas linhas.
Seja em uma serra, ou nas mãos do Criador de Sonhos que ela tanto admira.
Seja nos braços do Rei Troll, ou nos braços dos filhos nascidos ou que ainda estão por nascer.
Seja nos olhos de quem aqui lê…
*Tyr Quentalë – Foi um blog meu que cativou e emocionou muitas pessoas. Assim como Seanchaí, as histórias eram narradas por um “livro”, porém em outros palcos. Hoje Tyr Quentalë é o projeto de um livro que pretendo publicar.