O Gato ainda pensava nas palavras do Corvo, sobre os “Nunca Mais” que tinham muito mais do que aparentavam e o Falcão começava a mostrar que não gostava de ser jogado para o segundo plano, pois ele antes era tão soberano quanto às peças desse tabuleiro que agora espreitava. Porém, assim como se passa nos pensamentos deles várias perguntas, em minhas linhas são escritas suas angústias e parte de seus pensamentos, e por mais que eu saiba os pensamentos de minha Rainha, o caos que reina naquela alma mostra parte do que se passa, assim como mostra parte do que ocorre em outros reinos que não pertencem a Arcádia.
— Ela está silenciosa — o Gato interrompe seus pensamentos, percebendo que ele também andara deveras silencioso.
— Talvez porque assim como você, ela esteja observando o mundo dos vivos e o mundo dos mortos — murmura o Corvo observando aquele vazio em que eles se encontravam, aproveitando sua forma quase humana para acariciar aquele vazio que o relembrava de outros momentos.
— Você parece sereno diante dessa situação, ave de mau agouro — reclama o Falcão, bastante irritado com aquela situação.
— E você parece estar sofrendo com uma crise de ciúmes meu caro Falcão — o Corvo retruca seu companheiro voltando a sorrir.
O silêncio se prolongou por alguns segundos que pareciam séculos ao nervosismo do Falcão.
— Por que eu estaria com ciúmes se a Rainha acabou de matar vários seres em toda a Arcádia e nos lançou nesse vazio? O que não entendo, Corvo, é o porquê desse súbito interesse pelo Ches.
O Gato franziu o cenho ao ouvir aquele nome, há muito não o nomeavam dessa forma, pois, para todos, ele era apenas conhecido como Gato; um felino que andava pelos reinos espirituais e carnais; o possuidor de uma visão que muitos odiavam, por não conseguirem distinguir a realidade do irreal.
— Aonde você deseja chegar, minha querida ave de rapina, pois se não me engano, por muito tempo era você quem era o preferido e nós ficávamos em segundo plano e, nem por isso, eu ou o Corvo nos sentíamos ofendidos — o Gato ronronou baixo, desconfiado daquele súbito ciúme que ficava cada vez mais aparente nos dizeres do Falcão.
— Vejo que o vazio em que nos encontramos e o silêncio da Rainha está enchendo seus corações de dúvidas — rabisquei algumas linhas em minhas páginas, pois elas se mantinham contínuas nos pensamentos de minha soberana e tudo o que ela parecia esperar, estava justo nas palavras que ali surgiriam entre os guardiões dos reinos de Arcádia.
— Não há dúvidas em meu coração, meu caro Seanchaí, há mais certezas dentro desse peito do que o Falcão costuma crer. Certezas que às vezes fere e se transforma em demônios que me devoram em batalhas a cada novo passo que costumo dar. Sei dos estragos de Pandora e como meus sentimentos oscilaram por cada erro cometido que ampliava seus pecados — o Gato em corpo humano tentava buscar uma fresta naquelas paredes escuras do vazio — Não gosto do silêncio de nossa Rainha, pois também sei que tal silêncio pode representar feridas que sangram sem parar. Aflige-me o peito por querer saber o que se passa nos pensamentos dela, mas isso eu não posso lhe implorar meu amigo Seanchaí.
O Corvo parou por um tempo ao ouvir aquelas palavras, pois ele conhecera justamente os momentos mais negros que a Rainha passara. Todos os momentos em que ela desejara que o Abismo desse cabo daquela dor que a afligiu de tempos em tempos e ele também sabia o quanto os sentimentos dela oscilaram por conta dos erros que a Pandora cometeu. O Corvo suspirava e fechava os olhos, sentia a presença da Rainha frente a ele naquele momento, tendo apenas um véu daquela escuridão os separando, chamado vazio por eles, e o Corvo, sabia exatamente o que acontecia na alma da Rainha naquele momento.