Em meu último capítulo, Gato, Falcão e Corvo pareciam brincar de Gato e Rato nas conversas que mantinham perante a Rainha, porém minha soberana, mesmo com seu coração vazio, observava os traços rabiscados no Abismo. Pandora rompera várias linhas escritas por Destino, talvez por não saber o que queria em sua vida ou por temer seus próprios demônios inexplicáveis. Eu ainda podia presenciar a Rainha exaurida de sua última viagem no espaço tempo, mas sabia que tempo era algo que ela não possuía; não tanto quanto ela realmente queria. Ela escutava as palavras do Gato e sabia que ele ansiava cada vez mais pelas histórias, as quais ele não presenciara por causa de Pandora. Eu poderia interromper as minhas linhas, mas confrontar minha soberana em momentos como estes, não me seria de grande valia.

— Os humanos costumam dizer que com grandes poderes, vem uma grande responsabilidade — a Rainha murmura baixo interrompendo o debate que mantinha continuidade.

Por um momento, para eles, era estranho vê-la observando o espaço vazio a frente, como se a admirar alguma coisa que eles não podiam enxergar. A curiosidade despertava neles diferentes sensações, fazendo-os esmiuçar seus olhos à medida que a Rainha deslizava os dedos ao ar.

O Falcão tinha uma estranha sensação, pois da última vez que observara isso, a Rainha e Destino negociavam o apagar ou o modificar de algumas de suas lembranças, e isso, o incomodava.

— E na irresponsabilidade do uso de tais poderes, deuses caíram ou deixaram de existir, pois o inexorável ceifa tudo que se torna indesejável. — Silvou baixo o Falcão, tentando alertar a Rainha sobre seus próximos passos. Porém, tal aviso parecia mais uma ameaça velada que fora respondida com um sorriso.

— Destino não ceifa tudo que se torna indesejável. Na verdade ele não costuma interferir naquilo que já fora traçado. O livre-arbítrio é apenas vários caminhos traçados, mas já calculados — ela toca em um ponto do ar no qual a ponta de seus dedos sofre uma pequena pressão.

— Você não o faria! — As plumas do Falcão se eriçam e o temor toma conta dos olhos do Falcão.

Ela puxa o ar com um sorriso malévolo e sombrio em seus lábios, murmurando em uma serenidade obscura para os outros dois amigos: — Nunca mais me ameace.

A Rainha solta o ar e o Falcão se encolhe em seu terror.

— Perdoe-me minha Rainha, não fora esta a minha intenção.

O Gato curioso se aproxima do local, tentando desvendar o que ali acontecera, mas nada conseguira tocar ou sentir para saber o temor que ao Falcão acometera.

— Pandora… — sussurra o Corvo ao Gato — por não saber bem o que queria, brincava com as linhas do Destino.

— Suas palavras cometiam o sincericídio e por causa disso, ela afastou muitos que queriam ser mais que amigos — O Falcão tentava se recuperar do momento que o aterrorizara.

O Gato a tudo escutava, conhecia parte daquele mito, o Corvo, o Falcão e a Rainha desapareceram e o Gato via Pandora calada. Seu reino fora vasculhado e a caixa se encontrava aberta, vazia, não havia mais nada.

— Antes eu não tivesse mexido. Como és cruel comigo!

O Gato não conseguia ver o dono daquela voz, porém reconhecia a essência daquele ser. Sim! Era a mesma que havia revirado outro reino esquecido.

— Se não aguentava o dom da visão, não deveria por ela ter clamado! Desejava tanto a liberdade e eu lhe dei! Dei para que? Apenas para lhe ver me amaldiçoando e a usando para seus próprios intuitos. — Pandora vociferava…

— Eu devia ter aprendido! Devia ter aprendido!

Ela se culpava, querendo arrancar a dor de seu peito…

— Gato! – A voz vinha do gralhar do Corvo que o segurava próximo ao chão — Vejo que ainda pertence ao reino dos vivos, apesar de que você está mais para o Reino dos Mortos.

O corvo ri baixinho, dando pequenos tapas ao ombro do Gato. A Rainha parecia observar outro ponto no ar. Seu cenho franzido mostrava que ela não estava gostando do que ali enxergava.

— Ah, minha doce Pandora! Quantas linhas mais terei que observar? – Murmurou a Rainha cerrando o punho e puxando bruscamente algo que não se encontrava lá.