Era interessante observar minha Rainha acompanhando os passos do peregrino através dos olhos do Corvo ou do Falcão. Confesso que me arrepiou perceber o quanto ela se deleitou, ao sentir nas pontas dos dedos o sangue do viajante. Mas pude observar o leve desespero que o assolou ao adentrar no Palácio Elétrico e ouvir as risadas do corvo levados pelos ventos de Arcádia. Fosse meu irmão, sentiria pena do aventureiro por ele ter abandonado a Floresta, onde ele poderia estar mais protegido e quem sabe não cair nas ilusões que o Palácio promete, mas tal ilusão como diria minha Rainha, são mais que figuras da imaginação. Caminhe conosco e quem sabe entenderá o que está por vir na ótica da Soberana Arcadiana.

Os grilhões transformavam-se em pó e a própria floresta empurrava o pobre rapaz para os labirintos que se tornavam os corredores do Palácio. Receio, desespero, amargura o que quer que fosse; tudo era absorvido por aquelas paredes obscuras que não mais mostravam as tintas sanguíneas usadas um dia pelo Troll dominante. As perguntas da alma ecoavam ao longe. Múrmuros, sussurrares que se apagavam com o tempo.

— Não sente falta…
— Muitas coisas mudaram…
— Alguns demônios…
— Ainda…

Vários pensamentos ganhavam o vazio indelével, incompletos nas formas de outrora. Anjos de asas abismais; demônios sorridentes e sádicos; Rainhas e Reis soberanos; Príncipes ciganos; Lordes com pompas arrogantes; andarilhos dos destinos errantes; contadores de histórias com seus livros; Destino cego e frio; Elfos sorrateiros na sedução que fechavam mais ainda o cerco.

— Preso…
— Livre…
— Sonho…
— Pesadelo…

Vozes que cresciam fechando o cerco; garras que penetravam a esmo; grilhões tilintando com o peso; calor que sufocava com o tempo; tochas que sequer tremulavam; sombras fugidias do passado; Vazio que crescia; Escuridão esmagadora em profundo peito.

— Entrar…
— Sair…
— Inferno…

Ódio que crescia; Gritos e sons de espadas; maldições rogadas; prantos doloridos.
— O que lhe resta?

O ronronar sereno, parecia rodeá-lo. Um cantar sereno, malandro, cheio de graça. Olhos brilhantes no escuro antro, brilhosos com uma esperança que parecia falsa em seu ensejo. Não havia paredes, vidas, nem mesmo pensamentos.

— O que lhe fez entrar no Abismo?
Estava ali, curioso, observando o rapaz que desejou conhecer mais do que devia e que agora se encontrava no Abismo.

— Não sabia que a Rainha de Arcádia, não possui mais nenhum laço com aquele que reina o Palácio?

Ele sorriu, abaixando de leve a cabeça, lambeu com calma uma de suas patas, suspirando com extrema satisfação.

— Achava mesmo que Arcádia deixaria a Rainha desaparecer por completo? Ah! Meu caro errante, você não imagina quão grande é a minha satisfação. Sou aquele que anda pelas sombras e eis a forma que me apresento… Eu sou o Gato, como posso chamá-lo?

A Rainha sorria, acariciando minhas páginas, olhava o vazio em contentamento, murmurando suas palavras.

— Não podia deixá-lo para o Palácio Elétrico… Não podia deixá-lo…
— Tinha medo de perder um errante? – perguntei à minha Soberana.
— Aquele reino não mais me pertence. Jamais pertenceu na verdade. Não veja como egoísmo de minha parte, Seanchaí… Apenas…

Percebi minha Rainha a suspirar. Vendo a solidão que crescia ao seu redor. Suas asas se espalhavam por outros reinos, e senti uma busca incessante…. Era algo já compartilhado… Mas que poucos entenderam o que ela queria compartilhar…

— Sou… Apenas…. Um reflexo…
— Dê uma chance ao Gato…