A escuridão de uma alma carregada de tristezas, incertezas e inseguranças, são dignas das minhas linhas, de minha Rainha, assim como de seus súditos que anseiam por isso. A última vez em que os leitores tiveram contato com as minhas páginas, eles enfrentaram a situação de enxergar o vazio e o possível esquecimento de todo o reino conhecido como Arcádia.

Porém, não dou garantias que as próximas linhas sejam um retorno glorioso. Muitas coisas aconteceram; reinos se ergueram e ruíram; elfos ressurgiram e sumiram; magias ocorreram e retornaram de uma forma inesperadamente infeliz.

O Corvo, na última vez que o encontramos, havia sido tocado por um poder que gravara em suas penas diversos sofrimentos e resignações de minha Rainha. No entanto, adianto que o Falcão e o Gato não foram tocados da mesma forma e creio que há muito a ser explorado.

Os deixo nesse exato momento, para compreenderem parte desse suspirar demasiadamente longo e ponderarem se faço bem ao expor uma Arcádia tão obscura quanto a Floresta Negra.

̶  Jamais o perdoarei por ter se entregue daquela forma, como você pode?

O Falcão reclamava com tamanha indignação a medida que o Gato lambia os pelos entre os dois pássaros. O felino sabia que a frustração do peregrino era o fato da Rainha escolher a ave de mau agouro para escutar suas palavras antes de fazer Arcádia desaparecer das vistas dos humanos.

O Corvo por sua vez, ainda se encontrava em êxtase por escutar assuntos desconhecidos aos seus companheiros e parecia alheio às reclamações de seu irmão plumado; divagava atento aos sussurros que sentia em suas próprias penas.

̶  É difícil explicar, tantas coisas ocorreram, tantas lágrimas, tantas revoltas. Não creio que Arcádia sobreviveria a esses rompantes. Nossa Rainha enfrentou uma batalha arcana e posso sentir no meu ser o quão próximo chegamos do fim.

O Gato se esticou por completo batendo a ponta de sua cauda no bico das aves, direcionando um esgar de desdém.

̶  Você pode ter sido agraciado pelos sussurros ao qual não estamos acostumados, meu amado amigo plumado. Mas, esta batalha arcana ao qual se refere, eu a conheço antes mesmo de Arcádia se erguer.

O peregrino eriçou suas plumas ao escutar aquelas falas que pareciam desprezar o encantamento do Corvo. Seria ele o único que não tinha sido agraciado por sua Rainha? O ciúme crescente o fez abrir suas asas e o Gato voltou a bater com a ponta da cauda na ave.

̶  Não se sinta menosprezado Falcão, talvez você não se recorde muito por conta dos eventos funestos ao qual nos metemos, entretanto, você já teve seus momentos de glória quando a nossa amada rainha ainda era uma singela criança e acreditavam ser mal presságio ao vê-la correr pelas colinas verdejantes do Éire. Você iluminava seu sorriso ao trazer notícias de outros cosmos que tão bem conhecemos.

O Falcão se aprumou recordando aos poucos de um passado que parecia tão distante.

 ̶  Ora, ora, ora! Parece que não sou o único que possui segredos, não é mesmo? – grasnou o Corvo, percebendo que cada um parecera vivenciar um momento diferenciado da Rainha Sidhe e, quase se esquecendo da situação em que se encontravam, sentiu um sopro em suas penas.

̶  A Rainha tem pensado muito no Seanchaí, porém, pelo que pude perceber, a batalha arcana que ela perdeu a marcou mais do que ela desejava. Esta batalha não pertencia a Arcádia, muito menos ao cosmo que o Gato citou e que vocês dois vivenciaram. Aparentemente, está ligado a algo mais profundo. As lágrimas derramadas aparentemente roubaram algo…

Sim, as lágrimas derramadas pela nossa Rainha realmente roubaram algo. Os súditos ainda não sabiam, mas elas roubaram o brilho da criação dos olhos da Rainha Sidhe e observá-la enquanto ela me acaricia, é quase possível escutar o grito de uma Bean-Sídhe.