Ainda ponderando sobre a página anterior, pude notar que os olhos de minha Rainha e meu Rei brilharam intensos com aquelas linhas. Porém, eu poderia mostrar uma outra visão do início dos tempos que sairia dos padrões conhecidos da humanidade, mas os ventos de Arcádia fecharam-me como se zangados com esta ínfima possibilidade de mostrar aos mortais este lado prismático. Pensativo rebusquei antigos contos de seres que poderiam encantar ou até mesmo causar arrepios nas almas dos leitores. Ah, como fico tentado de mostrar que estas páginas se diferenciam tanto do antecessor que mostrava páginas melancólicas ou belas demais! Então vejamos o que surgirão nas linhas que começam a ser desenhadas nas páginas que ganham as cores dos campos verdejantes de Arcádia.
Os cânticos ganhavam espaço sendo proferidos pelos lábios dos fiéis. Pequenos gestos feitos abençoavam aquela alma de vestes negras e olhar escuro. Um joelho tocava-se ao chão e a sensação não a abandoava.
A espada pesava em sua mão, uma arma que parecia desajeitada apesar de pertencer a uma casta que servia aos antigos desde os inícios dos tempos. Prendia-a às costas na tentativa de esquecer aquela pressão, escutava aquelas últimas palavras que pareciam a alertar do perigo de sua missão.
Sem nada falar pegou a lança que lhe seria muito mais útil que o peso que carregava às costas e virando-se observou aquela entrada escura.
Avançou os passos devagar. Um verdadeiro guerreiro da luz seria protegido por sua fé e não por armaduras ou armas.
A escuridão abraçou aquele corpo, deixando suas garras deslizarem por suas vestes. Frias, mortais, sussurrando-lhe melodias carregadas de malícia, violência e sadismo. Gritaram agoniadas ao que seus dedos tocaram-lhe o coração e um brilho se intensificou. Um pequeno símbolo de fé que fora pendurado pouco antes dela se aventurar no vale das sombras.
Maldições foram rogadas, os sibilares ficavam mais intensos à medida que ia descendo e ao contrário do que muitos pensavam, a temperatura caía.
Aquela pequena fonte de luz, pendurada ao pescoço, iluminava os caminhos para as profundezas. Seus olhos podiam estar vendados para não ceder as tentações que eram ofertadas, mas sua fé era tão grande que a tornava cega para as cenas de luxúria ofertadas. Tantas promessas foram surgindo no caminho.
Uma vida feliz e sem batalhas.
Marido, filhos, beleza eterna.
Riquezas.
Mas nada disso parecia cativá-la ou fazê-la parar. Já haviam dito sobre os sussurrares tentadores que surgiriam que a fariam vacilar em sua missão.
Os gritos ficavam mais aterradores. Profanações eram entoadas. Clamores. Pedidos de misericórdia. Implorares.
Enfim abaixava os olhos. Suas costas doíam com o peso que carregara. Compreendia os martírios e as dores do “Filho”.
Quanto mais tentava passar daquele limite, mas parecia que suas pernas se arrastavam. O símbolo brilhava tão intenso. Iluminava toda aquela caverna que trazia aos seus ouvidos os tilintares de correntes.
Um corpo lutava para se libertar daquelas correias, o corpo sangrava em várias partes. Os olhos brilhavam em pura malícia, tal qual uma serpente prestes a apertar o corpo dela e quebrando-lhe os ossos em milhares de fragmentos.
O coração pulsava forte ao ponto de parecer que estava para rasgar o peito. As costas doíam como se em todo o caminho que fizera tivesse enfrentado as piores batalhas.
Os dentes do acorrentado rangiam ao ver aquele símbolo pendurado ao pescoço daquela mulher que largava a lança à mão e agora arrastava a ponta da espada que parecia grande e pesada.
– Então é chegado o dia. – Afirmou em voz grave e rouca. Uma voz que poderia fazê-la duvidar de seus próprios intentos.
Quando a respiração daquela mulher estava ofegante e os olhos de ambos fitaram-se por um longo tempo, um grito ecoou com tamanha fúria e dor que chegou aos ouvidos daqueles que entoavam os cânticos à abertura da caverna.
O céu escurecia, iluminando-se em algumas partes. Chuvas fortes molhavam aqueles homens que sentiam o coração pesar e baixarem seus olhos.
Na escuridão da caverna, um sorriso surgiu aos lábios…
As correntes tilintavam de forma baixa agora.
A fonte de luz não mais pertencia ao pequeno símbolo que jazia ao chão escurecido, mas sim das asas que brilhavam tão intensas e prateadas.
Ele sorria acariciando aquele rosto de traços finos e delicados. Desenhava-o, enquanto o sorriso ia tornando-se mais sádico ao ver o corpo frágil ensanguentado.
Os olhos ganhavam brilhos esverdeados tão intensos, que foram direcionados para cima.
– Terás que descer pessoalmente, Pai…
O riso ecoou, grave e rouco, na caverna à medida em que levava em seus braços aquela que estava inconsciente após o uso de todas as forças para libertá-lo.